Sócrates recebia em numerário porque não queria que se pensasse que trabalhava para Santos Silva. Mais de seis horas não foram suficientes para explicar toda a circulação de dinheiro entre Carlos Santos Silva e José Sócrates
Alfa/Expresso. Por Rui Gustavo
Quatro dias e mais de 20 horas de interrogatório e explicações não chegaram para cobrir todos os capítulos da acusação da Operação Marquês dedicados a José Sócrates. O ex-primeiro-ministro tentou desmontar a tese do MP – uma trave-mestra da acusação – que sustenta que o dinheiro que foi entregue a José Sócrates pelo amigo de « mais de 40 anos » era dele próprio (Sócrates) e resultou de atos de corrupção cometidos assim que tomou posse como primeiro-ministro. Santos Silva não era mais do que um « testa de ferro » e entregou a Sócrates uma quantia superior a rondar os 800 mil euros.
No interrogatório desta quinta-feira, Sócrates insistiu na tese que defende desde o primeiro dia: quando abandonou o Governo passou por algumas dificuldades financeiras e foi o amigo que o ajudou através de empréstimos – que pretende pagar e, mais, já começou a pagar. As entregas em numerário, que tinham como intermediário o motorista João Perna, só começaram « no verão de 2013 » e portanto Sócrates negou ter sido beneficiário de transferências anteriores entre Joaquim Barroca, Ricardo Salgado, Helder Bataglia e Santos Silva.
O ex-primeiro-ministro fez mesmo as contas e disse a Ivo Rosa que Santos Silva lhe emprestou um total de 567 mil euros, dos quais já pagou 250 mil. Estas contas incluem entregas em dinheiro vivo, o pagamento de despesas com a casa de Paris e até o pagamento de um funeral.
O ex-governante garantiu que as entregas em dinheiro vivo foram ideia de Santos Silva, mas que concordou porque as transferências bancárias poderiam dar a ideia de que trabalhava para o amigo, o que não queria que acontecesse.
Sócrates negou ainda qualquer intervenção na compra do Monte das Margaridas que foi adquirido pela ex-mulher Sofia Fava com o aval bancário de Santos Silva.
A relação entre Carlos Santos Silva e José Sócrates e o circuito financeiro entre os dois é absolutamente essencial para a acusação do Ministério Público que sustenta que todo o dinheiro que foi transferido do Grupo Lena, do universo Espírito Santo ou do empresário Helder Bataglia e depositado em contas de Carlos Santos silva era, na verdade, de José Sócrates e teve origem atos de corrupção.
O MP vigiou durante mais de um ano as entregas de dinheiro em numerário de Santos Silva a Sócrates que tinham como intermediário João Perna, motorista do ex-primeiro-ministro, que foi filmado a receber e a entregar envelopes. Terão sido entregues mais de meio milhão de euros em numerário.
Para além disso, Santos Silva pagava uma avença mensal a Sofia Fava, ex-mulher de Sócrates, que o MP diz ser uma forma encapotada de o antigo primeiro-ministro ter acesso ao próprio dinheiro. Santos silva pagou ainda as despesas relacionadas com as obras no apartamento de Paris que o MP acredita ser de Sócrates e assumiu as despesas de um aparthotel em Paris.
O interrogatório vai prosseguir na próxima segunda-feira com perguntas sobre a conta bancária na Caixa Geral de Depósitos de Sócrates e as despesas com a agora célebre casa de Paris.
(Nota da Alfa: Sócrates viveu em duas casas de luxo em Paris. A primeira era alugada e a segunda estava registada como propriedade do amigo. Depois ainda viveu algum tempo num aparthotel no centro de Paris. Ouça, hoje, na Alfa a crónica de Daniel Ribeiro sobre a vida de Sócrates em Paris)