Subida meteórica da extrema-direita dificulta formação de Governo em Espanha

Socialistas erraram a aposta ao forçar estas eleições, as quartas em quatro anos. Resultados dão asas ao Vox, que há um ano era irrelevante. Governar é urgente, para evitar mais uma ida às urnas, mas construir uma maioria que viabilize a recondução de Pedro Sánchez não se afigura simples. Subida meteórica da extrema-direita dificulta formação de Governo em Espanha

Foto XAUME OLLEROS

Alfa/Expresso. Por Angel Luis de la Calle, correspondente em Madrid. (Leia a versão original deste texto em expresso.pt)

O Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE, centro-esquerda) voltou a vencer eleições, apesar de perder três deputados em relação aos resultados de 28 de abril (120 frente a 123), mas o verdadeiro triunfador de faena eleitoral de 10 de novembro é, sem apelo nem agravo, Santiago Abascal, líder do Vox. A formação de extrema-direita passou a ser a terceira força política do país, com 52 deputados.

Estas legislativas, as quartas desde 2015, resultaram da incapacidade de toda a classe política de chegar a acordos governação. A ida às urnas não resolveu, porém (antes agravou) a fragmentação do Congresso dos Deputados. Formar Governo será, de novo, tarefa hercúlea, que exigirá generosidade e visão a todo o espectro ideológico nacional. Espanha vai dormir hoje tão dividida como ontem, mas muito mais inclinada para a direita e com o negro horizonte de uma terceira repetição eleitoral.

“Para esta viagem não são precisos alforges”, lastimava, domingo à noite, diante da sede central socialista em Madrid, na Calle Ferraz, Juan Espinosa. Este engenheiro agrícola de 54 anos milita no PSOE de Chamartín, bairro de classe média-alta na capital espanhola. Espinosa resumia o sentimento de muitos seguidores do partido, que criticam Pedro Sánchez por ter conduzido a eleições que, a seu ver, deram lugar ao florescer de uma extrema-direita que há um ano não tinha peso em Espanha e que agora é das mais fortes da Europa.

O Congresso dos Deputados ficou mais fragmentado que nunca, com 16 partidos representados: PSOE (120), PP (88), Vox (52), Unidas Podemos (esquerda populista, 35), Esquerda Republicana da Catalunha (13), Cidadãos (centro-direita, 10), Juntos pela Catalunha (JxC, 8), Partido Nacionalista Basco (PNV, 7), EH Bildu (esquerda independentista basca, 5), Mais País (cisão do Podemos, 3), Candidatura de Unidade Popular (2), Coligação Canária (2), Navarra Soma (Na+, 2), Bloco Nacionalista Galego (1), Partido Regionalista da Cantábria (1) e o estreante Teruel Existe, de uma despovoada província aragonesa.

No Senado o PSOE terá 92 lugares, PP 83, ERC 11, PNV 9, Na+ 3, JxC 3, Teruel Existe 2, Vox 2, Agrupamento Socialista de La Gomera (Canárias) 2, EH Bildu 1, Coligação por Melilha 1. Esta última força disputou até ao fim da noite um deputado com o PP, que levaria a melhor por pouco mais de 100 votos. Aos senadores eleitos diretamente juntar-se-ão os nomeados pelos parlamentos regionais das 17 comunidades autónomas.

EUFORIA NO VOX

Enquanto Espinosa tentava homogeneizar o misto de satisfação pela vitória nas urnas com a amargura do difícil panorama que se apresenta, uma vez mais, aos espanhóis, o líder do Vox falava aos seus aguerridos apoiantes. Santiago Abascal discursou num clima de grande euforia e com indisfarçada exibição de símbolos franquistas pelos partidários do Vox. Afirmou que o seu partido “protagonizou a maior gesta política da história espanhola, dando voz a milhões de espanhóis que não a tinham”.

Abascal fez referências claras à situação de “insurreição” na Catalunha e à exumação dos restos mortais do ditador Franco do Vale dos Caídos, assuntos que, segundo especialistas, contribuíram para o Vox ter conseguido somar o poio de 3,5 milhões de espanhóis, mais do dobro do que obtivera em abril. Ao intervir, o líder do Vox já recebera calorosas mensagens de felicitação de Marine Le Pen, líder da extrema-direita francesa, e de Matteo Salvini, o líder ultranacionalista italiano.

A jornada eleitoral deu lugar a outro facto relevante: o desaire espetacular do Cidadãos (C’s, centro-direita liberal), que perdeu 47 deputados e passou a ter representação marginal no Congresso, com dez assentos. Vários dos dirigentes principais deste grupo ficaram sem lugar parlamentar e o partido deixa de estar representado em importantes comunidades autónomas, incluindo algumas (Múrcia, Castela e Leão) onde o C’s apoiava governos de coligação.

A maioria das fontes ouvidas pelo Expresso esperava nas próximas horas a demissão de Albert Rivera, presidente do C’s, a quem são atribuídas responsabilidades pelo desastre do partido laranja. Rivera deixou essa decisão nas mãos de um congresso extraordinário convocado na própria noite de domingo. No final de abril, quando Rivera adotou a estratégia de negar qualquer colaboração ao PSOE de Sánchez para pôr fim ao bloqueio político espanhol, a soma de deputados socialistas (123) e do C’s (57) teria permitido um Executivo cómodo, sustentado por 180 deputados, mais quatro do que a maioria absoluta.

NÃO HÁ MAIORIA ÓBVIA

Como se previa, nenhum dos blocos do arco ideológico têm resultados que permitam somar forças e desbloquear o impasse político em que Espanha vive há meses. À esquerda, PSOE, Unidas Podemos (UP, esquerda populista) e Mais País (cisão do Podemos) alcançam 158 deputados, manos 18 do que a maioria parlamentar; à direita, a soma de Partido Popular (que falhou o alvo dos 100 deputados, embora ganhe 22 em relação a abril), Vox, C’s e Navarra Soma (aliança PP-C’s naquela região) agrega 152 deputados, 24 abaixo do limiar para a investidura imediata.

Certos analistas consultados esta noite adiantam que se o PSOE lograr convencer a UP e o C’s a aderirem a um projeto de governação, será possível resolver um difícil puzzle governamental com a presença de nacionalistas vascos (PNV, não os radicais do EH Bildu), Coligação Canária, Partido Regionalista da Cantábria e Bloco Nacionalista Galego (que regressa após quatro anos sem deputados), sem ter de recorrer aos independentistas catalães.

O líder da UP, Pablo Iglesias, disse esta noite que “é hora de esquecer os reparos anteriores” e voltou a estender a mão ao PSOE para formar um Governo de coligação, no qual a UP esteja representada na proporção adequada do apoio eleitoral obtido e em que tenha responsabilidades na gestão dos “artigos sociais” da Constituição espanhola.

Desde abril até setembro, a UP exigia um Governo de coligação e aceitou, até, que Iglesias não fosse ministro. O PSOE ofereceu pastas que não agradaram aos esquerdistas e estes também se recusaram a permitir um Executivo minoritário de Sánchez.

O partido de Iglesias salva a honra nestas eleições, embora perca sete deputados (de 42 para 35). Três deles terão sido arrebatados pelo estreante Mais País, fundado por Íñigo Errejón, outrora número dois de Iglesias no Podemos.

Sánchez, primeiro-ministro em gestão, não esboça qualquer autocrítica, preferindo apelar “a todos os partidos” para desbloquear a situação, embora continue a preferir um “Governo progressista”. Dizendo que haverá solução “sim ou sim”, promete evitar umas terceiras eleições.

ANTISSISTEMA ESTREIAM-SE NA CATALUNHA

Na Catalunha, há dois factos a destacar: a ausência de incidentes notáveis, que desmentiu negros augúrios motivados pelos anúncios de boicote violento às eleições por parte de grupos de agitação vinculados aos partidos independentistas; e a manutenção do status quo, ou seja, polarização na sociedade catalã.

O apoio de 42,38% do eleitorado foi para as várias forças separatistas, traduzido em 23 representantes no Congresso dos Deputados, em Madrid. Bem abaixo dos 57,07% (25 lugares) dos grupos que estão contra a independência.

Nesta região autónoma espanhola, o Vox ganha dois lugares, que não tinha; o PP recupera mais um (fica com dois) e o C’s perde sete. Os secessionistas radicais da Candidatura de Unidade Popular (CUP) também terão dois representantes na capital espanhola. O seu único objetivo será “tornar ingovernável o Parlamento espanhol e servir de altifalante internacional” sobre a situação de “opressão” que se vive na Catalunha.

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