“Mas diga-me, esse Christian é assim tão bom?”. A pergunta podia perfeitamente ser o resumo da partida, que pôs frente a frente os Presidentes de Portugal e dos Estados Unidos. Donald Trump não parecia saber quem é Cristiano Ronaldo e Marcelo Rebelo de Sousa apressou-se a explicar que “o melhor jogador do mundo é português”. No contra-ataque, Trump não acusou a falta e arriscou um prognóstico: se Ronaldo se candidatasse à Presidência da República, Marcelo seria derrotado. E aos 9 minutos de conversa, a equipa visitante atirou à baliza: “Há uma coisa que tenho de lhe dizer, Portugal não é como os Estados Unidos…”
Está tudo aqui. A jogar na Casa Branca, Marcelo quis impressionar Trump, mas sempre assegurando a devida distância, para não parecer demasiado próximo de um Presidente que insiste em afrontar a Europa e o mundo.
Os primeiros minutos de Marcelo Rebelo de Sousa na sala oval foram enganadores. Nem parecia Marcelo. Rosto fechado, mão no queixo e um ar quase aborrecido, mesmo enquanto Trump dizia que “a relação entre Portugal e os Estados Unidos está hoje melhor do que nunca”. O Presidente da República admitiria, mais tarde em conversa com os jornalistas, que nestas coisas, a linguagem corporal é um dado relevante. Parecia evidente que Marcelo queria passar uma mensagem. Mas durou pouco. Bastou Trump passar-lhe a palavra, para o Presidente disputar o papel de protagonista em filme alheio.
Começou por contar a Trump que “os fundadores dos Estados Unidos celebraram a independência com vinho da Madeira”. Depois quis falar ao coração do Presidente norte-americano: “Não temos apenas uma aliança militar, económica e política, é mais do que isso, é algo de muito humano”. Era a ponte para falar do milhão e meio de portugueses que vivem nos Estados Unidos e que “amam dois países ao mesmo tempo”. Trump acenava com a cabeça, como quem confirma a importância da comunidade portuguesa, mas não tinha mais nada para dizer sobre Portugal. Limitou-se a falar de um país de “grande beleza e de ótimas pessoas” , que tem um Presidente que é “um grande senhor e um grande fã de futebol”. A julgar pela amostra, os assessores de Trump não parecem ter perdido muito tempo na pesquisa sobre o convidado.
Mas nesta fase Marcelo já ia lançado a falar com as mãos, a baloiçar-se na cadeira e a dar toques cúmplices no braço de Trump. “Estive com Putin na semana passada, pediu-me para o cumprimentar, deve estar à espera da sua visita”. Trump sorri em silêncio.
Quando o dono da casa volta a usar da palavra, para responder às perguntas dos jornalistas norte-americanos sobre questões internas, Marcelo volta a encostar-se na cadeira e a pôr a mão no queixo. Até que Trump o chama à conversa com um “não sei o que pensa sobre isto, mas segurança e fronteiras fortes, somos nós”. Marcelo inclina-se para a frente e olha fixamente para o homólogo. Era uma pergunta retórica. Trump prossegue com a tese do país protegido de imigrantes ilegais. Marcelo não abre a boca. Haveria de dizer mais tarde que aproveitou o encontro a sós, para explicar com “um pouco de pedagogia”, porque é que diverge dos Estados Unidos, em matéria de imigração.
Só volta a entrar em cena, quando Donald Trump responde a uma questão sobre a guerra comercial imposta pelos Estados Unidos, ao definir pesadas tarifas alfandegárias sobre as importações de aço e de alumínio da União Europeia. Trump diz que “têm sido incríveis para a economia norte-americana”. Marcelo acena com a cabeça para os lados, como quem rejeita a ideia. Diria mais tarde aos jornalistas, que talvez nesse momento se “tenha excedido” na linguagem corporal, ao “mostrar discordância”. Na sala oval, limitou-se a dizer que “é uma boa notícia”, o facto de Trump ir encontrar-se com o Presidente da Comissão Europeia, para falar sobre o assunto.
Só ao fim de 15 minutos de conversa em frente às câmaras, mais 25 minutos a sós, é que Marcelo fez um balanço do encontro. Repetiu, pelo menos dez vezes, que foi “um encontro caloroso”. Não pelos protagonistas, mas pelo “calor que existe entre os dois povos”. Garantiu também que nada ficou por dizer e que tanto as convergências como as divergências ficaram bem expressas. Saiu da Casa Branca com a certeza de que deixou muito clara a Donald Trump, a importância de os Estados Unidos não criarem problemas com a União Europeia.
“Não podia ter corrido melhor”, assegurou o Presidente da República. Sendo assim, porque não houve um convite a Donald Trump para visitar Portugal? Marcelo empata e diz que não era o momento certo para isso.
Se voltarem a cruzar-se em breve, na Rússia, para assistir ao Mundial, quem sabe se a conversa não surge. Nessa altura, Trump já saberá quem é Ronaldo e já não se atreverá a falar de “Christian”. Mais conversa sobre futebol, já pode ser pedir demais. No limite, Marcelo e Trump podem partilhar o gosto pelo relvado. Mas toda a gente sabe que Trump é mais golfe.