Ucrânia: Visita de Guterres “é o regresso do estatuto que a ONU já devia ter assumido” – porta-voz da Região Administrativa Civil e Militar de Odessa
Em declarações à Lusa junto da sede da administração regional, Serhii Bratchuck observa que “é uma grande honra que o líder das Nações Unidas venha a Odessa [sul da Ucânia] pela primeira vez na história”, numa visita programada para hoje e um dia depois de se ter avistado em Lviv, no oeste, com os presidentes ucraniano, Volodymyr Zelensky, e turco, Recep Tayyip Erdogan, o que significa também “o regresso da autoridade de uma organização influente”.
Na ocasião, em Lviv, foram abordadas a desmilitarização da central nuclear de Zaporijia, sob ocupação russa, e a implementação do acordo de exportação de cereais da Ucrânia através do Porto de Odessa, que deverá ser o tema dominante da agenda de hoje.
No entanto, apesar de saudar “o envolvimento direto” do secretário-geral das Nações Unidas, o porta-voz defende que não são os esforços de Guterres que estão em causa quando se trata de fazer a diferença na resolução da invasão russa da Ucrânia em 24 de fevereiro.
“Esta é a nossa oportunidade e uma oportunidade para todo o mundo”, declara Serhii Bratchuck, deixando, porém, um aviso sobre o efeito de longa duração destes entendimentos: “Primeiro a Rússia tem de ser reconhecida como um país terrorista, depois tudo o resto. Não há outra forma. Já houve demasiados doces, agora está na altura de puni-los.”
A visita de António Guterres a Odessa acontece dois dias depois de a cidade ter sido alvejada com um míssil russo, num ataque que o porta-voz da administração regional não vê inocência.
“Bombardearam um ‘resort’ na quarta-feira e acreditamos que inimigo deseja criar um contexto para os encontros de Lviv e antes da visita a Odessa”.
Para Serhii Bratchuck, a Rússia está “a jogar com os seus músculos” e tentando “aumentar as apostas” antes de reuniões importantes. “Mas isso não lhes fará bem nenhum”, acrescenta, dando conta de que, para as autoridades de Odessa, “a principal ameaça hoje são os ataques de mísseis do mar e do ar e está descartada a ameaça de um desembarque no mar, especialmente após a libertação da Ilha das Serpentes”.
Apesar do ataque na quarta-feira, que provocou vários feridos, a vida em Odessa decorre numa aparente normalidade desde há alguns meses. Pelas ruas, os habitantes circulam pelas ruas nas suas rotinas diárias e ninguém se agita nem se esconde quando, na véspera da chegada de Guterres, o alarme de ameaça aérea se fez ouvir pelo menos três vezes.
Ainda em plena lei marcial, quase todo o comércio está aberto e bem abastecido, os restaurantes cheios e vibrantes, a venda de álcool voltou a ser permitida, embora com limitações de horário, contrastando com o cenário de “cidade fantasma” das primeiras semanas de guerra, iniciada pela invasão russa, em 24 de fevereiro.
“Julgo que ficámos cada vez mais confiantes na nossa vitória. Se falamos de motivação interna, todos esses ataques com mísseis tornaram-nos ainda mais unidos e mais resilientes. As pessoas reconstruíram-se no caminho da guerra, a economia começou a funcionar tanto quanto possível, as pessoas voltaram para a cidade e isso é um indicador de que não temos medo”, justifica.
O próprio jardim fronteiro da Administração Regional Civil e Militar de Odessa está agora “ornamentado” com barreiras metálicas que há poucos meses bloqueavam artérias e poucos edifícios são ainda protegidos com sacos de areia.
Ainda que as linhas russas estejam a algumas dezenas de quilómetros, os controlos militares tornaram-se escassos, mesmo na estrada que liga à fronteira com a Moldova, que trocou a debandada de refugiados pela correria de camiões de carga, numa rota terrestre improvisada em meses de bloqueio no Mar Negro.
“A vida não é pacífica, mas esse é o nosso caminho e continuamos nele. Naturalmente, a guerra não é uma condição humana normal”, descreve Serhii Bratchuck, um militar de 50 anos, que se apresenta com uma ‘t-shirt’ preta a dizer “I’m ukrainian (sou ucraniano)”, nascido na Crimeia e que cresceu em kherson, ambos sob domínio russo, “um otimista” de que um dia chegará uma capitulação de Moscovo, mas depois concedendo que “o principal é viver para vencer”.