O Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, afirmou que está preparado para terminar a guerra na Ucrânia em troca da adesão à NATO, mesmo que a Rússia não devolva imediatamente os territórios apreendidos.
Em entrevista à estação televisiva britânica Sky News, o Presidente ucraniano explicou que a adesão à NATO (Organização do Tratado do Atlântico-Norte, bloco de defesa ocidental) teria de ser oferecida às partes não-ocupadas do país para pôr fim à “fase quente da guerra”, desde que o próprio convite da NATO reconhecesse as fronteiras internacionalmente reconhecidas da Ucrânia.
Zelensky sugeriu que seria possível alcançar um acordo de cessar-fogo se o território ucraniano que Kiev controla fosse colocado “sob a alçada da NATO”, o que lhe permitiria negociar a devolução do restante território posteriormente, “de forma diplomática”, parecendo aceitar que as zonas ocupadas do leste da Ucrânia ficassem, por enquanto, fora desse acordo.
Foi esta a resposta do chefe de Estado ucraniano quando inquirido sobre notícias divulgadas pela comunicação social de que um dos planos do Presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, para pôr fim à guerra poderá ser a cedência, por parte de Kiev, à Rússia dos territórios que Moscovo lhe tomou, em troca da adesão da Ucrânia à NATO.
“Se quisermos pôr fim à fase quente da guerra, temos de colocar sob a alçada da NATO o território da Ucrânia que temos sob o nosso controlo”, afirmou.
“Temos de o fazer rapidamente. E depois, quanto aos territórios [ocupados] da Ucrânia, a Ucrânia pode recuperá-los de forma diplomática”, acrescentou.
Segundo Zelensky, é necessário um cessar-fogo para “garantir que [o Presidente russo, Vladimir] Putin não voltará” para tomar mais território ucraniano, e a NATO deve proteger “imediatamente” a parte da Ucrânia que continua sob o controlo de Kiev, algo de que a Ucrânia “necessita muito”.
“Caso contrário, ele [Putin] voltará”, sustentou.
Inquirido sobre o que pensa sobre o Presidente eleito dos Estados Unidos, que tomará posse em janeiro, Zelensky declarou: “Temos de trabalhar com o novo Presidente” para “obter o maior apoio”.
“Quero trabalhar diretamente com ele, porque existem diversas vozes de pessoas à sua volta. E é por isso que precisamos de não permitir que ninguém em volta destrua a nossa comunicação [porque] isso não seria útil, seria destrutivo”, sublinhou.
“Temos de tentar encontrar um novo modelo. Quero partilhar ideias com ele e quero ouvi-lo”, insistiu.
Questionado sobre se já tinha falado com Trump, Zelensky disse que os dois falaram em setembro, quando esteve em Nova Iorque: “Tivemos uma conversa. Foi muito calorosa, boa, construtiva. Foi uma reunião muito boa e foi um primeiro passo importante – agora temos de preparar algumas reuniões”.
Esta é a primeira vez que o Presidente da Ucrânia menciona um acordo de cessar-fogo que incluiria controlo russo de parte do território ucraniano.
Durante todo o conflito, Zelensky nunca disse que cederia qualquer território ucraniano ocupado à Rússia – incluindo a Crimeia, que a Rússia ocupou em fevereiro de 2014 e anexou formalmente no mês seguinte.
Segundo explicou, tal medida não é permitida pela Constituição ucraniana, e a única forma de o fazer seria se a população dessas zonas concordasse com a secessão.
Anteriormente, o mais longe que tinha ido numa entrevista foi ao diário francês Le Monde, em julho deste ano, quando sugeriu que alguns territórios poderiam juntar-se à Rússia se votassem nesse sentido numa referendo livre e justo.
Mas disse que Kiev teria de voltar a ter o território sob o seu controlo para poder realizar tal votação.
Cerca de um quinto do território ucraniano continua sob controlo russo.
Em setembro de 2022, a Rússia declarou unilateralmente a anexação de áreas nas regiões ucranianas de Donetsk, Kherson, Lugansk e Zaporijia, na sequência de referendos que não foram internacionalmente reconhecidos como válidos.
A posição de Zelensky há muito que é a de que o território continua a ser ucraniano, que a ocupação russa do território é ilegal e que Kiev não cederá qualquer parte do seu território para obter um acordo de paz.
No início deste ano, apresentou um “plano de vitória” ao parlamento ucraniano, que incluía a recusa de ceder território e soberania da Ucrânia.
No entanto, Moscovo sugeriu que não desistirá de nenhum dos territórios que as suas forças ocupam em qualquer acordo de paz e argumentou que a cedência de território por parte de Kiev é uma condição prévia para se sentar à mesa de negociações.
Apesar da firme defesa ucraniana do seu território e das tentativas de contra-ataque desde o início da guerra, há mais de mil dias, as forças de Kiev têm estado em desvantagem nos últimos meses e a Rússia tem vindo a ganhar lentamente terreno no leste do país.
A Rússia invadiu a Ucrânia a 24 de fevereiro de 2022, com o argumento de proteger as minorias separatistas pró-russas no leste e “desnazificar” o país vizinho, independente desde 1991 – após o desmoronamento da União Soviética – e que tem vindo a afastar-se da esfera de influência de Moscovo e a aproximar-se da Europa e do Ocidente.
A guerra na Ucrânia já provocou dezenas de milhares de mortos de ambos os lados, e os últimos meses foram marcados por ataques aéreos em grande escala da Rússia contra cidades e infraestruturas ucranianas, ao passo que as forças de Kiev têm visado alvos em território russo próximos da fronteira e na península da Crimeia, ilegalmente anexada em 2014.
No terceiro ano de guerra, as Forças Armadas ucranianas confrontaram-se com falta de soldados e de armamento e munições, apesar das reiteradas promessas de ajuda dos aliados ocidentais, que começaram entretanto a concretizar-se.
As tropas russas, mais numerosas e mais bem equipadas, prosseguem o seu avanço na frente oriental, apesar da ofensiva ucraniana na Rússia, na região de Kursk, e da recente autorização do Presidente norte-americano, Joe Biden, à Ucrânia para utilizar mísseis de longo alcance fornecidos pelos Estados Unidos para atacar a Rússia.
As negociações entre as duas partes estão completamente bloqueadas desde a primavera de 2022, com Moscovo a continuar a exigir que a Ucrânia aceite a anexação de uma parte do seu território.
Com Agência Lusa.