Um estranho Dia da Bastilha com a pandemia em pano de fundo. Sem a tradicional parada militar na Avenida dos Campos Elíseos, o 14 de julho foi dedicado aos que combatem a pandemia. O Presidente aproveitou para, na televisão, desenhar as fronteiras dentro das quais pretende deixar mover-se o novo primeiro-ministro
França assistiu esta terça-feira a uma cerimónia muito reduzida e algo estranha, sem o imponente tradicional desfile militar na Avenida dos Campos Elísios, em Paris. Só se festejou na Praça da Concórdia, sobretudo em homenagem a todos os que têm participado na linha da frente na luta contra o Covid-19, o Presidente francês, Emmanuel Macron, deu uma entrevista na televisão para definir o “novo caminho” que deseja que o Governo do recém-empossado Jean Castex siga.
Enquanto as comemorações do Dia Nacional prosseguiam na imensa célebre praça ornada pleo Obelisco, com soldados e profissionais da saúde reunidos em frente à tribuna presidencial, na grande artéria que liga a praça ao Arco do Triunfo não se viam carros nem pessoas.
A total falta de animação neste dia especial, naquela que os franceses consideram a mais bela avenida do mundo, parecia significar que França está de luto pela morte, em poucos meses, de mais de 30 mil pessoas provocada por um novo coronavírus que continua a fazer vítimas no país.
Foi um 14 de julho diferente de todos os outros em “homenagem à nação” e à solidariedade com as vítimas e trabalhadores da saúde. O feriado nacional assinala a tomada da Bastilha, uma prisão em Paris, em 1789, considerada o momento de arranque da Revolução Francesa. Passados 231 anos, o dia vive-se, como sublinhou Macron, “com emoção” porque a luta contra a covid-19 prossgue num país onde também se receia a possibilidade de nova vaga. “O nosso país tem medo, quanto ao futuro, e claro, à epidemia”, afirmou o Presidente.
MAIS MÁSCARAS E MAIS TESTES
“Somos transparentes na informação sobre a evolução da pandemia, estamos todos empenhados em combatê-la, mas temos incertezas, há opiniões diferentes sobre a ‘segunda vaga’, temos sinais de que a epidemia se relança um pouco e desejo que o uso da máscara seja obrigatório, a partir de 1 de agosto, em lugares fechados, designadamente centros comerciais”, explicou, recomendando a multiplicação de testes em todo o país.
“Temos de nos preparar para um eventual novo pico da epidemia e temos de tentar evitar que chegue uma nova vaga”, acrescentou. Sobre uma eventual vacina, descoberta pelos franceses ou por outros, defendeu que deverá posta à disposição do mundo inteiro.
A entrevista presidencial precedeu a intervenção, muito aguardada, de Castex. Será dia 15, na Assembleia Nacional. O primeiro-ministro tinha previsto proferir o seu “discurso de política geral” antes do 14 de julho, mas foi obrigado a adiá-lo porque Macron exigiu falar primeiro aos franceses. O chefe de Estado quis balizar a ação do novo chefe do Governo, tanto no tocante à crise sanitária e à “vibrante homenagem” ao serviços de saúde, como para definir as grandes linhas da retoma económica até às eleições presidenciais de 2022.
CHEIRA A CONFLITO INSTITUCIONAL
Com esta decisão, Macron indicou claramente a Castex que “a primazia da palavra é do Eliseu”, assinalou um comentador. Na realidade, já parece existir como que uma competição entre ambos – o novo primeiro-ministro (que vem da direita e é amigo do ex-Presidente Nicolas Sarkozy) indicou que não será apenas um “colaborador” de Macron e acaba de anunciar um envelope de ajudas de 7500 milhões de euros para a saúde. Alguns sindicatos acham pouco e prometem manifestações nos próximos dias.
“Com a nomeação do novo primeiro-ministro não desejei mudar de rumo, apenas de caminho, para atingirmos os objetivos de sucesso do nosso modelo económico e social, de modernização, que definimos no início do mandato”, afirmou o chefe do Estado.
“Este Governo não é de direita!”, exclamou Macron em resposta às críticas de que tem um Executivo mais conservador do que o de Édouard Phillippe, que se demitiu. Tanto Castex como Phillippe vieram do partido de centro-direita Os Republicanos e não do República em Marcha (liberal) fundado pelo Presidente
Este disse também respeitar “a causa feminista”, apesar de ter um novo ministro do Interior (vindo do Orçamento no Governo anterior), Gerald Darmanin, muito atacado por ser acusado de violação, com um processo judicial em curso. “Sinda não foi julgado, não pode ser julgado pela rua ou pela opinião pública!”, acrescentou.
EVITAR O DESEMPREGO
Sobre a crise económica e social que, segundo Macron, durará pelo menos até à primavera de 2021, garantiu que está atento e que há planos preparados, nomeadamente sociais e de apoio às empresas. “Vamos continuar a investir para evitar o aumento do desemprego e deveremos passar sempre também pelo diálogo social”, explicou.
Quanto ao elevado número de jovens que saem das escolas e não encontram emprego, foi vago, dizendo que vai “incitar” as empresas a contratá-los com ajudas do Estado, com medidas excecionais de “exoneração de encargos”.
Sobre a revisão do sistema de pagamento das pensões dos pensionistas, contestada pelos sindicatos e que provocou recentemente manifestações imensas, também foi vago. Considerou-a justa, mas acrescentou que poderá ser preciso “um pouco mais de tempo” para aplicá-la e modificar o método de discussão com os parceiros sociais.
Sobre eventuais novos impostos para financiar os défices e as despesas gigantescas, designadamente com as consequências da epidemia, não foi claro. Mas garantiu: “Vamos fazer investimentos, com a ajuda da Europa”.
Ainda sobre investimentos Macron prometeu desenvolver as linhas ferroviárias de alta velocidade. Quanto aos impostos, garantiu que os mais ricos não verão o regresso do Imposto sobre as Grandes Fortunas, criado pelo seu antecessor socialista François Hollande, que o atual Presidente revogou no início do seu mandato, em 2017.
Para Macron tudo se jogará nos próximos seis meses – lutar contra a pandemia e travar o desemprego. Vai dizendo que é cedo para falar de recandidatura ao Eliseu. Sobre as acusações de racismo no interior da polícia, garantiu que as autoridades vão dotar-se de meios para controlar os excessos, designadamente com câmaras de videovigilância.