Um Governo de “união e missão” com poucas surpresas, para levar Macron até às presidenciais

Um Governo de “união e missão” com poucas surpresas, para levar Macron até às presidenciais. Mas tem uma ministra nascida em Cabo Verde

Jean Castex tomou posse como primeiro-ministro de França a 3 de julho de 2020

THOMAS COEX/GETTY IMAGES

Macron quer agarrar as rédeas da governação nesta segunda metade do seu mandato presidencial, mas o novo primeiro-ministro não pretende ser uma marioneta. Da equipa governativa, anunciada esta segunda-feira, faz parte uma ministra lusófona

O Executivo de Castex inclui outra novidade, esta “lusófona” – Elisabeth Moreno, empresária de 49 anos, nascida em Cabo Verde, foi nomeada ministra da Igualdade entre Homens e Mulheres e da Diversidade.

Alfa/Expresso. Por Daniel Ribeiro

A escolha do Presidente francês para primeiro-ministro surpreendeu o país, pois Jean Castex era quase desconhecido nos meios políticos de Paris. Não quer ser um chefe de Governo “sob tutela” nem um “simples colaborador” do chefe do Estado, mas Emmanuel Macron já lhe disse quem manda.

O Executivo de Castex, anunciado esta segunda-feira, apresenta poucas novidades, salvo a saída do polémico Christophe Castaner da pasta do Interior. Mantêm-se os pilares do Governo anterior, designadamente Bruno le Maire na Economia, Olivier Véran na Saúde, Gérald Darmanin no Interior (vindo do Orçamento, naquela que é uma das principais mexidas) ou Jean-Michel Blanquer na Educação. Jean-Yves le Drien continua ministro dos Negócios Estrangeiros.

O Executivo de Castex inclui outra novidade, esta “lusófona” – Elisabeth Moreno, empresária de 49 anos, nascida em Cabo Verde, foi nomeada ministra da Igualdade entre Homens e Mulheres e da Diversidade.

O Presidente, que se zangou com o anterior primeiro-ministro, Édouard Philippe (daí o afastamento deste), pretende relançar a segunda metade do seu mandato no Eliseu e chegar nas melhores condições possíveis às presidenciais de 2022. Vai fazê-lo com um Governo que mantém uma certa continuidade e com Castex, militante da direita e amigo do antigo Presidente Nicolas Sarkozy, que gosta de “andar e decidir depressa”, segundo quem com ele trabalhou no pequeno município rural de Prades, na Gasconha.

FALAS TU OU FALO EU?

Macron quer um “novo caminho”, mas já fez saber distintamente ao chefe do Governo que é ele quem manda (em França o chefe de Estado preside ao Conselho de Ministros e tem poderes executivos na Defesa e Política Externa, naquele que é um semipresidencialismo bem mais presidencialista do que o que vigora em Portugal).

Diversos analistas perguntam se Castex não será um primeiro-ministro sob tutela. Teve, por exemplo, de adiar para o próximo dia 15 um anunciado discurso de política geral no Parlamento, porque o Presidente lhe fez saber que poderia falar, sim, mas apenas depois de ele próprio fazer a sua tradicional comunicação ao país no dia nacional de França, a 14 de julho.

Uma das primeiras e principais tarefas de Castex será tentar pacificar o grupo parlamentar do partido A República em Marcha (LREM), de Macron, que está muito dividido e sofreu recentemente uma dissidência que obriga o Governo a procurar constituir maiorias fazendo alianças com os centristas. “O novo Governo será de missão e união”, prometeu Macron.

Foram anunciadas duas dezenas de ministros (os secretários de Estado serão designados dentro de dias) e a ideia geral é trabalhar com um Governo integrado numa certa “mudança na continuidade”. Macron pediu a Castex para andar depressa, porque as consequências da crise sanitária poderão ser catastróficas para a economia e conduzir a revoltas que, como no passado, nunca são pacíficas em França.

Na comunicação social, alguns comentadores dizem prever uma rentrée política e social muito agitada e espinhosa para o poder em setembro/outubro. Sindicalistas referiram o mesmo ao Expresso. Laurent Berger, líder da forte central sindical moderada CFDT, pede “uma lógica do diálogo”. Analistas como Marc Landré, do jornal “Le Figaro”, preveem um fim de verão e início de outono “apocalíptico”.

DO SENHOR DESCONFINAMENTO AO SENHOR RETOMA

Numa entrevista ao “Journal du Dimanche”, domingo, Castex, conhecido por ser o “homem do desconfinamento” que dirigiu a saída da França da quarentena quase geral em esteve mergulhada desde março, disse que “o plano de relançamento da economia deve ser finalizado”.

Mas garantiu igualmente que vai avançar com o projeto de reformas que tinha sido preparado pelo seu antecessor e que arrisca pôr de novo os franceses a baterem-se nas ruas com a polícia, como é seu hábito – designadamente os projetos da revisão do sistema de pagamento das reformas dos pensionistas e a do seguro do desemprego.

Castex fala em coerência, continuidade e desejo de dialogar com os parceiros sociais. Estes parecem esperar para ver e estão desconfiados porque o novo governante acrescentou nessa primeira entrevista que “tudo vai ser reexaminado e adaptado às novas circunstâncias dolorosas” provocadas pela crise sanitária.

“Por exemplo, a crise agravou duramente os défices dos nossos regimes de segurança social e é indispensável chegar a acordo com os parceiros sociais a curto prazo”, explicou. Ele próprio sabe que este dossiê é explosivo. “Será possível um acordo rápido? É o meu desejo, quero agir depressa.”

Édouard Phillippe (à esquerda) sai por desentendimentos com Macron; Jean Castex quer ser autónomo do Presidente mas é escolhido sobretudo para favorecer a reeleição deste último em 2022

Édouard Phillippe (à esquerda) sai por desentendimentos com Macron; Jean Castex quer ser autónomo do Presidente mas é escolhido sobretudo para favorecer a reeleição deste último em 2022

PIERRE SUU/GETTY IMAGES

PRIMEIRO A GRIPE DAS AVES, DEPOIS O CORONAVÍRUS

Uma das principais surpresas do novo Executivo é a saída de Castaner do Interior (era contestado pela polícia e pelos “coletes amarelos”) e a nomeação de Barbara Pompili, figura importante da ecologia, para um importante Ministério do Ambiente.

Qualificado por quem o conhece como calmo, simpático, caloroso e trabalhador, Castex é próximo de Sarkozy, de quem chegou a ser, já no fim do mandato deste último, secretário-geral adjunto do Eliseu. Foi um dos postos mais altos que ocupou nas áreas do poder, em Paris, a par de dois cargos de responsabilidade nos domínios da saúde e do trabalho, como diretor de gabinete de Xavier Bertrand, outro homem da direita de quem se diz ser um provável candidato presidencial.

Foi com Bertrand que Castex delineou um plano, na altura considerado eficaz, para combater o vírus H5N1 (gripe das aves). Ganhou aí galões de “homem dos dossiês complexos” e por isso foi escolhido recentemente por Édouard Philippe como “Senhor Desconfinamento”, para coordenar a saída gradual e faseada do país do confinamento ditado pela pandemia de covid-19, que paralisou e ainda ataca duramente a República Francesa.

DIREITA E ESQUERDA PREOCUPADAS

O novo primeiro-ministro é do partido de direita, Os Republicanos (criado por Sarkozy), tal como era o se antecessor. Nenhum dos dois aderiu ao liberal A República em Marcha (LREM) de Macron, que perdeu com estrondo as recentes autárquicas. Castex suspendeu a militância em Os Republicanos ao ser nomeado chefe do Governo, como fizera Philippe.

Durante as suas passagens pelos ministérios da Saúde e do Trabalho, Castex manteve contactos com os sindicatos, que o consideram um homem aberto com quem “se pode discutir”. O diálogo com o mesmo homem na pele de chefe do Governo poderá ser muito menos pacífico.

Foi também apoiante de François Fillon, o antigo primeiro-ministro que hoje poderia estar no lugar de Macron se não tivessem sido revelados escândalos que o impediram de chegar ao Eliseu. Na semana passada foi condenado a prisão efetiva por ter criado emprego fictício para a sua mulher, pago do erário público. Fillon anunciou que vai recorrer da sentença.

Macron escolheu Castex para relançar a última fase do seu mandato e melhorar as perspetivas de reeleição. Os amigos de Castex, sobretudo Xavier Bertrand, apreciam-no. “Tem qualidades como servidor do Estado que serão indispensáveis nos momentos difíceis que vamos conhecer…. Que possam corrigir as más escolhas do Presidente da República”, escreveu Bertrand nas redes sociais.

Valérie Pécresse, presidente da região de Paris e igualmente figura de proa da direita, também elogiou o primeiro-ministro, felicitando-o pela nomeação. Disse-lhe que o país necessita de mais “autoridade e firmeza” nas decisões.

A nomeação de Castex inquieta a direita (por ser uma baixa em tempo de vacas magras – este sector acaba de alcançar resultados muito sofríveis nas autárquicas ganhas pelos ecologistas) e não agrada à esquerda, onde alguns até o apreciam. Manteve contactos estreitos com autarcas esquerdistas durante a aplicação do plano de desconfinamento do país que, até agora, tem dado resultados positivos.

Sobre o novo cargo, escreveu Castex numa carta que enviou aos seus eleitores de Prades, onde é presidente da Câmara reeleito no passado dia 28 de junho: “Meço a imensidão das tarefas que me esperam”.

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