25 Abril: Os discos proibidos que saíram do armário da rádio portuguesa

25 Abril: Os discos proibidos que saíram do armário da rádio portuguesa

O 25 de Abril abriu as portas de um armário onde estavam os discos proibidos de passar na rádio e que nesse “dia inicial inteiro e limpo” puderam finalmente tocar, marcando o início de uma revolução musical em Portugal.

António Macedo é um homem da rádio e não esconde o entusiasmo ao recordar os dias loucos da música que se seguiram ao 25 de Abril, uma revolução que acompanhou primeiro em Angola, antes de regressar a Portugal, em 1975.

À Lusa, o radialista que durante anos foi a voz do “Programa da Manhã”, na Antena Um, afirmou que o que mais mudou na rádio após o 25 de Abril é que “o que estava proibido deixou de estar proibido – e havia muita canção, muitas canções proibidas”.

Na Rádio Renascença, por exemplo, havia uma lista de canções proibidas e, na emissora nacional radiodifusão, os discos eram mesmo riscados com um prego.

Após o 25 de Abril, foi possível libertar as canções todas que estavam proibidas, que eram mesmo muitas, e que “eram canções de combate, que denunciavam, de uma maneira ou outra, sobretudo a guerra colonial, mas também o estado em que vivíamos, o chamado Estado Novo, que era um estado policial, uma ditadura, em que não havia liberdade de opinião, liberdade de imprensa, liberdade de expressão e as outras liberdades todas, incluindo a liberdade cívica”.

“As canções que estavam proibidas eram canções que tratavam disso, de poetas como Manuel Alegre, como o disco do Adriano Correia de Oliveira (“Canto e as Armas”), cujas músicas estavam todas proibidas, ou o “Cantaremos”, que também tinha várias faixas interditas.

Inclusive a “Lágrima de preta”, um poema do António Gedeão e música de José Niza, e que “é uma das mais espetaculares pérolas da música portuguesa”, estava proibida, tal como numerosas de José Afonso, a começar, como é lógico, pela “Vampiros”, porque era “um grande hino da sociedade”.

António Macedo ilustra a madrugada da libertação com um episódio ocorrido nas ocupadas instalações do Rádio Clube Português: “O técnico de som José Ribeiro, hoje reformado, arrombou o armário onde estavam os discos proibidos e entregou-os a quem estava a fazer a emissão. É uma imagem que diz tudo. Aqueles discos foram para a cabine, onde não tinham lugar, tinham lugar num armário, que estava a fechado à chave”.

Os discos ficaram à disposição, embora os militares tenham optado pelas marchas militares, mas após o golpe consumado, esses discos começaram a rodar.

Na altura ainda em Angola, António Macedo foi-se apercebendo através dos relatos dos companheiros que existia uma “sede brutal de dar o direito às pessoas de conhecerem aquilo que as pessoas não sabiam que existia”.

“Foi um bombardeamento de canções de intervenção, de protesto, do que estava proibido e o que foi gravado imediatamente a seguir ao 25 de Abril”, indicou.

E explicou: “Os estúdios, as editoras, estavam mais viradas para a circunstância de, no encadeamento de liberdade, dar a possibilidade de, em liberdade, os que tiveram tantas músicas proibidas, poderem gravar em liberdade”.

Simultaneamente, começam também a gravar os que vinham da música rock, da música elétrica, como o Fernando Tordo, o Paulo de Carvalho, o Carlos Mendes, e surgem nomes do passado que “gravam coisas novas para um novo tempo, o tempo da liberdade”, como o António Calvário que alcança grande êxito com o tema “Mocidade”, disse.

“Aumentou brutalmente a diversidade da música portuguesa que passava na rádio”, ao mesmo tempo que os músicos da parte elétrica começaram a gravar mais, e tudo isso vai “desembocar no período do final dos anos 70, início dos anos 80 [do século XX], do chamado ‘boom’ do rock português, com o Rui Veloso logo à cabeça”.

Para o radialista, “tudo isso foi possível por causa do 25 de Abril”.

Desafiado a escolher a banda sonora da liberdade, António Macedo põe duas a tocar: A canção da liberdade, enquanto conceito, e a canção da sua liberdade.

A primeira é a “Liberdade”, de Sérgio Godinho, na qual o artista canta que « só há liberdade a sério quando houver a paz, o pão, habitação, saúde, educação ».

A canção da sua liberdade é a “Canção com Lágrimas”, de Manuel Alegre e de António Correia de Oliveira.

“É uma canção que me põe sempre a chorar e é a canção da minha liberdade. É a canção da minha vida, é a canção que antes do 25 de Abril nunca pude passar na rádio – porque fala da guerra e da morte na guerra – e foi a primeira canção que a 25 de Abril eu passei na rádio”, recorda.

Alfa/ com Lusa

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