“Quem tivesse sintomas não embarcava”. Portugueses evacuados em Lisboa. O relato de 30 horas entre Wuhan e Lisboa
Combinaram todos ainda antes de saírem da China: assim que chegassem a Portugal, ficariam de quarentena. “É uma questão de responsabilidade civil, não queremos pôr ninguém em risco”, explica ao Expresso Luís Estanislau, um dos portugueses repatriados que chegou este domingo à noite a Portugal. Ao que o Expresso conseguiu apurar, um português que estava na lista do Ministério dos Negócios Estrangeiros não embarcou
Da janela do quarto, Luís Estanislau vê um parque de estacionamento e pouco mais. Está há menos de um dia no Hospital Pulido Valente, em Lisboa. Agora, já regressado de Wuhan, o epicentro da infecção por coronavírus, fala com o Expresso. Cada uma das 20 pessoas que o Estado português foi buscar tem o seu quarto. Às vezes podem encontrar-se mas sempre “devidamente equipados”. Não sabem quando podem ter visitas. Estão isolados e assim vão continuar nos próximos 14 dias.
“Ainda antes de sairmos da China, já tínhamos todos combinado que ficaríamos voluntariamente isolados. Foi uma decisão conjunta, uma vez que não é obrigatório”, diz o preparador físico do Hubei Chufeng Heli, um clube da segunda liga chinesa. “É uma questão de responsabilidade civil. Sabendo que este vírus tem um período de incubação de 14 dias, pareceu-nos a melhor opção. Não queríamos pôr em risco os nossos familiares e amigos. Não é fácil estar preso num hospital em Portugal sem qualquer sintoma, sabendo que fizemos tudo para evitar o vírus e com a certeza quase absoluta de que estamos bem. Há quem esteja há imenso tempo sem ver a família.”
Luís Estanislau aterrou este domingo pelas 20h30 em Portugal. Chegou com mais 19 pessoas – incluindo dois diplomatas portugueses e duas cidadãs de nacionalidade brasileira. Ao que o Expresso apurou, além do luso-australiano que já anunciara que pretendia permanecer na China por motivos profissionais, houve um português que também escolheu ficar “por motivos pessoais” apesar de o seu regresso a Portugal estar previsto até este fim de semanal.
“A viagem foi cansativa. Vinham 25 nacionalidades diferentes a bordo do avião”, começa por relatar Luís Estanislau, que antes de embarcar respondeu a um questionário sobre a rotina dos últimos dias, sobre a possibilidade de ter estado em contacto com alguém infetado ou a presença de algum tipo de sintomas associados ao coronavírus. “Mediram-nos a temperatura também. Quem tivesse sintomas não embarcava, houve um polaco que não entrou no avião”, conta.
O grupo viajou de Wuhan até Marselha, no sul de França. Daí, partiram para os países de origem. “Viemos os 20 no avião militar C130.”
Ainda durante a noite de domingo fizeram as recolhas para as análises, que são da responsabilidade do Instituto Ricardo Jorge e cujos resultados preliminares são negativos. “Chegámos super cansados. Fizemos exames médicos, recolha de sangue, saliva e deu tudo negativo a todos.”
Luís nem sabe bem onde está. “No segundo ou terceiro andar, talvez. Não faço ideia.” Sabe que o levaram para o Pulido Valente e quase todos os repatriados também ali estão – apenas quatro foram levados para o parque saúde, as instalações do antigo Júlio de Matos. “A escolha foi aleatória, foram os médicos que nos dividiram.”
Por agora, não estão previstas visitas. “Não nos foi dito nada.” Por vezes pode estar com os restantes repatriados, no corredor ou no refeitório, mas sempre com “máscaras, luvas, desinfetante”. “As refeições são nos quartos. Há uma máquina de café comum, que é no refeitório, mas temos de ir lá, tirar o café e voltar para o quarto. Há sempre dois enfermeiros presentes, estão de máscara, luvas, bata desde os pés até ao pescoço, coisas na cabeça e óculos. O espaço é grande, agradável… é o que é.”
Quando falou com o Expresso, Luís Estanislau tinha acordado não há muito tempo. Ainda não sabia as rotinas ou como tudo vai funcionar nas próximas duas semanas. E quando já quase acabava a conversa, Luís quis acrescentar algo. Queria louvar o trabalho das autoridades portuguesas nesta missão. Diz-nos que se fala pouco sobre isso.
“Vocês não têm noção da logística que envolveu. Houve muitos europeus que não conseguiram embarcar porque tínhamos de partir todos juntos do consulado-geral de França e só depois poderíamos ir para os autocarros – que precisam de autorização e são a única forma de lá chegar – em direção ao aeroporto. Quem vivia afastado do consulado não tinha forma de chegar, não há transportes e a cidade está totalmente deserta.” E por isso, explica, muitos europeus que estavam fechados em casa não conseguiram chegar ao ponto de encontro para regressarem à Europa. Mais de 100, diz. “O pessoal viajou de Pequim até Wuhan – quase 15 horas de viagem – para ir buscar a casa todos os portugueses que precisavam de boleia para o consulado. E todos precisávamos. A embaixada e Governo foram impecáveis. Estamos muito orgulhosos de ser portugueses, porque vimos o caos com outras nacionalidades.”