Eleições no PSD, um partido bipolar. A vitória de um derrotado e a derrota da ausência

Um partido bipolar. A vitória de um derrotado e a derrota da ausência

Quartel-general de Luís Montenegro Foto TIAGO MIRANDA

O PSD preferiu (e parece que vai preferir) o líder que lhe deu as piores derrotas. Percebe-se? Sim. Do outro lado continua a haver um vazio por preencher

Alfa/Expresso. Por Vítor Matos (leia a versão original em expresso.pt)

Por uma unha negra de 344 votos. Dramático. Um poucochinho, de 0,56%. O PSD não é um partido, são dois. Rui Rio fez um discurso de pré-vitória, confiante na desmobilização do adversário, o lado “fraco”, na segunda volta. Luís Montenegro chamou-o para o ringue televisivo, mas o líder “forte” não quer arriscar uma luta na lama. Não precisa. O último debate “não foi prestigiante”, disse (mas Rio também estaria a fazer ‘mea culpa’?). Esta vai ser uma semana de grande atividade dos caciques de ambos os lados para garantir a participação. Será uma semana penosa para Montenegro: depois do alívio por ter passado a eliminatória com um penálti no último minuto, a angústia. Rui Rio só pode ganhar.

Os resultados anunciados foram estes:
Rui Rio – 15 301 votos (49,44%)
Luís Montenegro – 12 767 votos (41,26%)
Miguel Pinto Luz – 2 878 votos (9,3%)

Numa análise imediata, o PSD parece bipolar: metade do partido quer o centro político e estar mais próximo do PS, e outro prefere ir para direita, com uma estratégia de confronto direto de oposição aos socialistas (Sá Carneiro chegou a demitir-se da liderança porque Marcelo Rebelo de Sousa apresentou uma moção onde previa uma oposição não sistemática ao PS). Mas mais do que grandes diferenças ideológicas (não são assim tão vincadas), estes são caminhos táticos e estratégicos diferentes com raízes históricas no PSD.

Uma avaliação mais fina, porém, exige precaução: sabemos que os alinhamentos políticos internos que influenciam o voto em eleições desta natureza não têm muito a ver com ideologias ou posicionamentos: são decisivas as as ligações pessoais, promessas a ambições, amores e ódios de dirigentes e caciques. Neste aspeto, Rui Rio voltou a colocar-se mais uma vez acima dos políticos vulgares (Montenegro?) e elevou-se de novo a um estatuto de superioridade moral – ao nível do “banho de ética na política” -, quando garantiu que não trocou lugares por votos e que o voto em si foi o voto puro e cândido dos militantes amorosos. Cuidado: Rio não pode garantir que os seus apoiantes não prometeram lugares e empregos quando há autárquicas à espreita…

Na verdade, o resultado robusto de Rio significa que o PSD não rejeitou o líder centrista que lhe deu os piores resultados da história, e que não se apaixonou pelas ganas do mais irreverente opositor dos socialistas (e até admitiu no rol dos possíveis líderes uma cara nova).
Com a quase maioria absoluta de Rio e a vitória que parece certa para a semana, os militantes e dirigentes do PSD estão a dizer-nos que não têm uma alternativa que valha a pena. Ao premiarem uma direção sem resultados, os laranjinhas mostram ao país que não olham para Montenegro como “a” solução para o futuro do partido. Aliás, comprova-se que a bravata de janeiro passado de tentar ‘roubar’ a liderança num Conselho Nacional em ano de legislativas foi a asneira do ano. O povo da base não gostou. E castigou-o.

Por outro lado, os militantes preferiram premiar um líder que tem pouco para oferecer, até porque já prometeu não vai mudar nada do que fez até agora. O PSD teve o pior resultado de sempre nas europeias sob a liderança de Rui Rio. O PSD teve um dos piores resultados de sempre nas legislativas com um candidato a primeiro-ministro chamado Rui Rio. A direita tradicional está em mínimos e a abrir caminho para o PS se consolidar como o partido charneira do regime, e quem defende a estratégia de aproximação aos socialistas é Rui Rio. A saída de um ex-líder e a criação do Aliança e do Chega! deram-se no turno da chefia de Rui Rio. Mesmo assim, o PSD sinalizou que está prestes a escolher de novo Rui Rio para líder. E se o fizer no próximo sábado – como apontam as probabilidades -, vai ser de forma inequívoca, sem quaisquer dúvidas, por maioria absoluta e perante o concorrente mais agressivo.

A escolha aparentemente convicta por Rio, um líder derrotado que não oferece perspetivas de vitória ou de recomposição da direita, parece uma decisão contraintuitiva, mas terá a ver sobretudo com a falta de fé em Montenegro, que como candidato ficou muitos furos abaixo do que andou a prometer em expetativas. Só por acidente um destes dois homens chegará à chefia de um Governo.

Quanto a Pinto Luz, fez o que lhe competia. Um resultado de 10% – não de 12% como disse no discurso – não lhe dá garantias de um dia chegar à liderança, mas é digno. Já houve um tempo em que todos aqueles que foram candidatos à liderança do PSD acabaram mesmo por sê-lo (de Cavaco Silva a Passos Coelho foi assim). Agora veremos se será mesmo king maker do resultado no próximo sábado. Luis Montenegro disse que conta com ele no futuro. Tencionaria propô-lo para a a Câmara de Lisboa?

A razia nos cadernos eleitorais (que perderam 30 mil militantes) também pode explicar muita coisa. Foram as eleições internas do PSD com mais participação percentual (76%) e menos votantes brutos (31,3 mil). Quer dizer que os cadernos estão mais enxutos, mas não dá para perceber quantos ‘bebés’ – verdadeiros militantes – foram deitados fora com a água do banho. As novas regras anti-cacique para o pagamento de quotas podem ter reforçado a verdadeira militância, mas também beneficiaram os caciques mais profissionais – com meios para andar militante a militante, porta a porta, a tratar de papéis e a pedir as referências de multibanco recebidas nos telemóveis para depois fazerm os pagamentos tradicionais.

Já farsa dos cadernos eleitorais da Madeira são uma verdadeira vergonha para Miguel Albuquerque – mas também para Alberto João Jardim que agora veio criticar aquilo que ele sempre fez. Perguntas para queijo: o é que aquela gente toda viu em Miguel Pinto Luz que não gostou nos outros? Quem pagou aquelas quotas todas?

Com a vitória de Rio, o PSD passará pelo mais dois anos descomposto, mas a vitória de Montenegro não garante o contrário. Como sempre no PSD, quando o partido está na oposição – e parece que será por muitos e bons anos – os olhares vão voltar-se para quem se segue. Quem tem estado calado?

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