Num cenário de saída sem acordo, quem protege os mais de três milhões de cidadãos europeus que vivem no Reino Unido? “Nada que não a boa vontade dos governos britânicos”, diz ao Expresso Paulo Costa, representante e membro fundador dos Migrantes Unidos. Não quer dizer que não haja essa boa vontade, quer da parte do atual governo da primeira-ministra, Theresa May, quer da parte dos próximos governos, mas são demasiadas dúvidas e demasiadas vidas para que não haja qualquer garantia, juridicamente vinculativa, de que os direitos dos cidadãos portugueses estarão mesmo assegurados num cenário de saída sem qualquer acordo.
Em entrevista ao Expresso em janeiro, Augusto Santos Silva, ministro dos Negócios Estrangeiros, também já tinha tentado mitigar as preocupações dos portugueses. « A primeira-ministra disse que respeitaria integralmente os direitos dos cidadãos. Estamos a lidar com um país civilizado… »
Mas os Migrantes Unidos, parte de um grupo maior chamado “Migrants United” – constituído por várias associações de migrantes de vários países europeus -, não ficaram sossegados com a garantia das boas intenções e decidiram enviar uma carta aberta ao primeiro-ministro (PM), ao Presidente da República e ao Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) portugueses propondo uma solução mais vinculativa: a assinatura de um tratado internacional que garanta os direitos dos europeus no Reino Unido, independentemente do resultado das negociações. Para isso, a UE teria de aceitar mudar o mandato de Michel Barnier para que ele pudesse negociar separadamente a questão dos cidadãos – e é isso que os Migrantes Unidos esperam que se discuta no Conselho Europeu de 21 e 22 de março.
“Já houve conversações com vários eurodeputados portugueses, não é uma proposta nova mas foi agora tornada essencial pela urgência do calendário. Daqui a 15 dias, o Reino Unido pode estar fora da UE sem acordo e ninguém sabe se, apesar das garantias verbais que nos foram sendo dadas, poderemos mesmo reter os direitos que temos agora”, explica o engenheiro informático pelo telefone.
A ideia é “recordar” do acordo final conseguido por May em Bruxelas o capítulo referente aos direitos dos cidadãos britânicos e “isolá-lo” num tratado assinado pela União Europeia, garantindo assim que esses benefícios não saem prejudicados seja qual for a decisão do Parlamento britânico nestas últimas duas semanas de março. Trata-se de 15 dias bastante importantes que começam esta terça-feira com mais um voto ao acordo – mais um que já está inquinado pela tomada de posição dos deputados conservadores de May que continuam a não ver neste documento uma garantia de que a UE não terá (mesmo) qualquer influência nas leis do país.
O governo britânico tem continuado a publicar informação sobre o que pode mudar num cenário de não acordo no que aos cidadãos europeus diz respeito. “Por exemplo, os registos continuam, mas quem diz que, como agora, o registo é necessariamente uma garantia de permanência? Também é possível que haja menos tempo para que um cidadão europeu se registe depois de chegar e depois também não há certezas de que possamos aceder ao Serviço Nacional de Saúde ou de que as nossas reformas sejam repatriadas para Portugal. Isto não quer dizer que se vá verificar o pior dos cenários mas não há garantias.”
A CARTA ENVIADA AO PM, AO MNE E A MARCELO (NA ÍNTEGRA)
Estará certamente ciente da adoção por unanimidade da emenda Costa pela Câmara dos Comuns britânica no dia 27 de fevereiro. Esta emenda foi fortemente apoiada pelos « the3million » e « British in Europe », e requer do primeiro-ministro:
“Que procure, o mais rapidamente possível, um compromisso conjunto Reino Unido-União Europeia de adotar a segunda parte do Acordo de Saída (« Withdrawal Agreement ») sobre os Direitos dos Cidadãos e assegurar a sua implementação antes da saída do Reino Unido da União Europeia,independentemente do resultado das negociações sobre os outros aspetos do Acordo de Saída. »
Encorajados pela rara unidade de propósito sobre os direitos dos cidadãos demonstrada pelo Parlamento do Reino Unido, escrevemos a Donald Tusk, copiando todos os Chefes de Estado da UE (veja em anexo), para apelar a uma ação positiva recíproca a nível da União Europeia antes da reunião do Conselho Europeu de março.
Concordamos que a melhor maneira de proteger os direitos de quase cinco milhões de cidadãos do Reino Unido na Europa e da União Europeia no Reino Unido é através do Acordo de Saída (WA), apesar das suas deficiências. Não estamos a pedir a negociação de um mini acordo fora do WA. O que estamos a pedir é que a União Europeia e o Reino Unido tomem as medidas necessárias para planeamento de contingência para garantir que os direitos dos cidadãos sejam devidamente protegidos em caso de não acordo. A única maneira de conseguir isso é através de um tratado internacional que abranja a parte dos direitos dos cidadãos da WA e seus mecanismos de execução. É claro que tal tratado deve ser implementado nos termos do Artigo 50 e, portanto, antes da data em que o Reino Unido deixa a UE.
Esta opção tem a vantagem vital de proteger os cidadãos da União Europeia no Reino Unido através de um tratado internacional, em vez de submetê-los à potencial erosão dos seus direitos por futuros governos britânicos. É também um resultado muito melhor para os cidadãos britânicos na União Europeia do que uma combinação de 27 soluções nacionais diferentes que tentem, mas acabem por falhar, reinventar a roda (o Acordo de Saída).
No caso de o Acordo de Saída (« Withdrawal Agreement ») ser rejeitado no Parlamento do Reino Unido a 12 de Março, solicitamos que esta proposta seja discutida na reunião do Conselho Europeu de 21/22 de Março e que seja permitido que um representante dos « the3million » e dos « British in « Europe »se dirija ao Conselho Europeu nessa reunião.
Com os nossos melhores cumprimentos
Em nome dos « the3million » e « British in Europe »