França: Inverno anuncia-se quente nas ruas

“Coletes amarelos” e sindicatos preparam manifestações e greves. Governo receia novos tumultos

Jérôme Rodrigues, luso-francês, continua muito ativo e a organizar manifestações – « o povo vive com dificuldades cada vez maiores”, diz

Alfa/Expresso. Por Daniel Ribeiro (artigo para ler na versão original no Expresso, edição semanal, em papel ou em expresso.pt – semanário)

O clima de tensão social regressa a França, com os “coletes amarelos” a anunciarem a preparação de ações “especiais em grande” — dizem dois dos seus líderes ao Expresso — para assinalar o primeiro aniversário do início do movimento, a 17 de novembro de 2018.

A agitação vai começar já este fim de semana, devendo agravar-se a meio do mês e crescer até 5 de dezembro, dia em que a crise social poderá ganhar contornos bastante mais vastos. A partir dessa data poderá ser mais complicado para o Governo francês. Algumas das principais centrais sindicais anunciaram manifestações e greves “ilimitadas” a partir da primeira semana de dezembro, designadamente nos transportes públicos, contra a revisão do sistema específico das reformas no sector. Nessas ações deverão participar os “coletes amarelos”.

Jérôme Rodrigues e Priscilla Ludosky, dirigentes dos “Coletes”, confirmam ao Expresso que o movimento estará presente nas manifestações sindicais. “Não estamos com os sindicatos, mas com as pessoas, vamos participar porque tudo piora e o povo vive com dificuldades cada vez maiores”, explica o ativista português, que perdeu um olho, em janeiro, numa manifestação na praça da Bastilha, em Paris.

Além da reforma do sistema das pensões — com que o Governo pretende avançar para um regime único e universal que acabe com nichos especiais, por exemplo nos caminhos de ferro —, outros diplomas estão a ser contestados. É o caso da nova proposta governamental sobre desemprego, que reduz os direitos dos desempregados aos subsídios.

O Presidente Emmanuel Macron, que há menos de um ano tentou travar a “revolta amarela” com cedências de mais de dez mil milhões de euros, pretende, com estas medidas, reequilibrar o défice do Estado para cumprir os tratados da União Europeia.

“NÃO SOMOS SELVAGENS!”

Os líderes dos “coletes” e os sindicalistas dizem que estas duas medidas reforçam a ideia de que “este é um poder que só pensa nos ricos”. “O direito ao subsídio de desemprego faz parte das nossas reivindicações”, explicam Jérôme e Priscilla. “Mas não somos apenas um bando de desempregados, somos algo muito mais vasto que transformou em profundidade toda a sociedade francesa, nomeadamente no domínio da solidariedade”, acrescenta o português.

A grave violência que deflagrou recentemente nas periferias de grandes cidades francesas — com vandalismo, incêndio de instalações públicas e ataques a forças policiais, designadamente na região de Paris — poderá ter que ver com a reforma do sistema de desemprego, que atinge com maior dureza a juventude dos subúrbios.

Priscilla, Jérôme e dois outros líderes dos “coletes” escreveram há dias uma carta a Macron, propondo-lhe uma reunião para discutir as reivindicações do movimento, que, desde há alguns meses, esteve em “modo pausa”, como explicou ao Expresso o advogado e escritor luso-francês Juan Branco, que apoia os militantes.

“Não somos um bando de selvagens!”, explica Jérôme, adiantando que listas dos “coletes” poderão concorrer às eleições municipais francesas do próximo ano. “Escrevemos e enviámos a carta ao Presidente e à comunicação social, mas ele não respondeu.” Organizaram assembleias por todo o país e, garante Priscilla, os “coletes” estão de novo preparados para “comemorar dignamente o aniversário” e regressar às ruas. Jérôme confirma.

Na carta endereçada ao Eliseu, pedem respostas para as desigualdades sociais e fiscais, a discriminação e a transição ecológica, e ainda para a repressão policial e a “discutível” imparcialidade da Justiça neste domínio.

COMO IR A FÁTIMA

Jérôme pede a condenação da polícia e indemnizações para ele e para outros — “por vezes apenas pessoas que estavam a ver as manifestações”, diz — que perderam olhos, mãos, dedos ou ficaram gravemente feridos na cara ou no corpo, durante os tumultos.

O luso-francês ficou sem um olho, mas não perdeu a energia combativa. “No que me diz respeito, vai-se andando, mas por vezes é complicado, a minha família inquieta-se, a minha filha de 14 anos também, todos têm medo pelo que me pode acontecer e há uma forte pressão do Estado sobre eles”, afirma.

Jérôme assegura que a luta dos “coletes amarelos” vai ser relançada e conclui com uma afirmação algo mística: “Ganho força no contacto com a malta, é como quando vais a Fátima (já lá fui três vezes), tocas numa pessoa e ela transmite-te algo de importante, é uma coisa impressionante, há qualquer coisa e muita humanidade no nosso movimento”.

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