Só haverá controlo sanitário para quem vem por aeroporto e não na fronteira terrestre. Abertura da fronteira com Espanha em clima de tensão. Reino Unido também ameaça Portugal.
Alfa/Expresso. Por HUGO FRANCO, LILIANA VALENTE E GORKA CASTILLO EM MADRID
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, lançou dúvidas, ontem, sobre a reabertura da fronteira com Espanha, agendada para 1 de julho. “Pode verificar-se que num dado momento haja generalização da abertura da fronteira com Espanha. Como sabem já há casos pontuais de abertura. Foram ocorrendo ao longo das últimas semanas. O que há de novo é a intenção de generalizar essa abertura. Obviamente ambos os Estados estão atentos à evolução da situação sanitária”, afirmou.
O Presidente, no entanto, estava apenas a falar em tese, explica uma fonte de Belém ao Expresso, e não estava a demarcar-se do que estava planeado. A não ser que, tendo em conta a imprevisibilidade do contexto pandémico, a situação sanitária se deteriore e os governos tomem outra decisão. Para já, a cerimónia que está prevista com o rei de Espanha e com o presidente do Governo espanhol no dia 1 de julho será para manter. Mas a afirmação evidencia que Marcelo está preocupado com a imagem errada que está a passar no estrangeiro, de que Lisboa está confinada. Também em Espanha existe a confirmação de que os ministérios da Saúde e do Interior mantêm a abertura das fronteiras naquele dia.
Como o Expresso noticiou há semanas, a reabertura entre Portugal e Espanha terá honras de Estado. Entre Caia e Badajoz estarão o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e o rei Felipe VI de Espanha, mas também os dois chefes de Governo, António Costa e Pedro Sánchez.
Uma das incógnitas era perceber se a reabertura do Espaço Schengen iria levar à adoção de medidas sanitárias de controlo de pessoas que atravessem a fronteira de carro e também de avião. Ao Expresso, a Direção-Geral da Saúde (DGS) revela que está a preparar um reforço das medidas para todos os portos, aeroportos e aeródromos nacionais, estando em curso uma atualização das orientações produzidas. “Para o efeito estão previstas três medidas essenciais que já estão implementadas: a medição da temperatura, o reforço da informação aos passageiros, nomeadamente através da distribuição de folhetos, e o preenchimento dos PLC — cartões de localização de passageiros.” A DGS ressalva que relativamente às medidas aplicadas por outros países, nomeadamente Espanha, “estas decisões ainda estão a ser articuladas no contexto da União Europeia” (UE).
A reabertura das fronteiras entre Portugal e Espanha terá honras de Estado
Já sobre os controlos a aplicar nas fronteiras terrestres, as autoridades de saúde pública são mais vagas: “Ainda se encontram em preparação.” Em todo o caso, as autoridades espanholas já revelaram ao Expresso que a partir da abertura de fronteiras, a 1 de julho, só haverá controlos para quem vem por aeroporto e não na fronteira terrestre.
Quarta-feira o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, abordou o assunto, ao afirmar que “não deve existir nenhuma restrição discriminatória” na reabertura de fronteiras entre os países-membros da UE. “A Comissão Europeia determinou, acordado com todos os países-membros, que as fronteiras internas, dentro da UE, serão abertas até 1 de julho e que não deve existir nenhuma restrição discriminatória”, assumiu Cabrita.
PORTUGAL EM GUERRA COM ESPANHA
Com o aproximar das férias de verão, aproxima-se também a guerra pelos turistas europeus, que este ano serão escassos. Esta tem sido uma guerra política e comunicacional que Portugal parece estar a perder. O país tem constado em listas de países excluídos, o que leva a diplomacia a um esforço acrescido, nem sempre com sucesso. O assunto começa a ser tratado ao mais alto nível, desde o ministro dos Negócios Estrangeiros ao primeiro-ministro e até ao Presidente da República.
A dias da cerimónia de abertura de fronteiras com o país vizinho, Costa não se coibiu de lançar indiretas a Espanha sobre a gestão dos dados da pandemia, que estão a fazer com que Portugal seja excluído e Espanha não. Aqui há “total transparência. Não há esquecimentos do número de óbitos, nem há dias em que não se mostram os números. Não andamos a não fazer testes para ficar bem na fotografia internacional”, disse, referindo-se indiretamente a Espanha, que esteve vários dias sem referir o número de óbitos, corrigindo-os posteriormente. Marcelo já tinha feito declarações no mesmo sentido.
Já ontem houve mais uma prova de que Portugal está preocupado com a imagem que sai lá fora. O “El País” escreveu uma informação incorreta, segundo a qual Portugal decidira o confinamento de 3 milhões de pessoas em Lisboa. A manchete fez sair do Ministério dos Negócios Estrangeiros um comunicado raro a desmentir a “falsidade” do jornal.
Costa e Marcelo lançaram indiretas a Espanha sobre a gestão dos dados
A terreiro saiu também Marcelo. Perante a dificuldade em passar a mensagem lá para fora, o Presidente deu uma mão ao Governo ao lamentar a falta de critério na hora de decidir pela reabertura de fronteiras: “Infelizmente, não é possível ter um critério europeu”, afirmou. Em Belém, há uma convicção de que a polémica com os partidos que se seguiu à reunião com os epidemiologistas também não ajudou.
E é na questão dos critérios que a diplomacia portuguesa tem insistido. “Portugal mantém o envio regular aos parceiros europeus de informação sistemática e atualizada sobre a evolução da situação epidemiológica no país e tem sublinhado, junto destes e das instituições europeias, o facto de as restrições levantadas por alguns países se basearem apenas num único critério, omitindo todos os outros indicadores relevantes e nos quais Portugal se compara bem com os demais Estados-membros”, respondeu ao Expresso o gabinete de Augusto Santos Silva.
UM PROBLEMA CHAMADO TURISMO
Na semana passada, oito países decidiram não abrir as fronteiras a Portugal, usando como critério o número de casos por 100 mil habitantes. Perante esta decisão, o Governo admitiu responder na mesma moeda mas, uma semana volvida, não o fez. “Não” foi a única resposta que o primeiro-ministro deu quando questionado se iria responder com “reciprocidade”.
Da lista de oito países iniciais não havia um peso pesado para o turismo português. Os problemas começaram a surgir com as notícias de que o Reino Unido, um dos principais mercados portugueses, iria fechar portas. “Especulações”, responde ao Expresso Santos Silva. Ainda ontem, a BBC fazia saber que iria sair uma lista de países seguros onde não constaria Portugal, devido aos números de Lisboa.
O mercado do Reino Unido é crítico (como o alemão) para o sector sobreviver este verão e estão debaixo de olho, diz a secretária de Estado do Turismo. Rita Marques salienta que o Governo lançou várias medidas, como o selo Clean&Safe, e “está em contacto direto com os Governos destes dois países”. A estratégia seguida em termos de promoção tem sido “manter contacto muito próximo e frequente com os principais players nos mercados” para “esclarecer a real situação” em Portugal.
“Todas as restantes regiões do país, nomeadamente o Algarve e a Madeira, destinos por excelência dos turistas britânicos e alemães, apresentam uma situação estável com um número reduzido de cadeias de transmissão”, diz a governante.
(COM VÍTOR MATOS)
Leia este trabalho na sua versão original em expresso.pt – semanário