Jean-Luc Rocha é um ‘chef’ de origem portuguesa, galardoado com duas estrelas Michelin, que se apaixonou pela cozinha em criança graças à avó portuguesa e que conquistou o paladar dos inspetores do famoso ‘Guia Vermelho’.
O ‘chef’, de 41 anos, que também obteve o título de ‘Meilleur Ouvrier de France’ em 2007, sempre orbitou em torno de estrelas Michelin, como Thierry Marx, Patrick Henriroux e Gilles Blandin até ser ele próprio recompensado.
Foi em 2011 que Jean-Luc Rocha conquistou duas estrelas Michelin no restaurante Le Château Cordeillan-Bages, em Pauillac, perto de Bordéus, onde trabalhava desde 2002 e onde substituiu, em 2010, o mediático ‘chef’ Thierry Marx que já tinha dado à casa duas estrelas.
Desde janeiro de 2017, o ‘chef’ lusodescendente passou para os comandos da cozinha do Saint James Paris, na capital francesa, um restaurante distinguido até agora com uma estrela ao qual Jean-Luc Rocha gostaria de acrescentar uma segunda, « sem pressão ».
« Se pudermos ter duas estrelas, está bem. Se não pudermos: uma estrela, com o pessoal contente, fica bem. Se fizermos bem o trabalho, vamos ter duas estrelas. Não é o objetivo, mas se pudermos atingir isso, muito bem », explicou à Lusa, num português hesitante, já que desde pequeno ouve português em casa mas sempre respondeu em francês.
Basicamente, o ‘chef’ considera que « não vale a pena colocar-se sob pressão para alcançar a estrela » porque « se se trabalhar bem, a recompensa virá » e porque o critério « não é apenas a cozinha, mas um todo, desde o local, à decoração, à equipa, ao acolhimento ».
Jean-Luc Rocha, que nasceu na cidade francesa de Vesoul, herdou da avó portuguesa a paixão pela cozinha porque « a família sempre esteve reunida à volta de uma mesa », onde havia, por exemplo, pastéis de bacalhau, pastéis de nata, sopa de feijão ou burlhões da Beira Baixa.
« Cada prato é uma história, é um sabor, uma imagem, uma lembrança, um momento de convívio, de viagem. Há sempre algo por trás. Não se mete um ou outro produto no prato porque é bonito. Não. É preciso que tenha um sentido e um equilíbrio. É preciso que a pessoa que vá comer sinta uma emoção. Um simples alho frito no azeite é uma emoção porque para mim tem um sabor e uma lembrança », descreveu.
Enquanto a avó lhe transmitiu a importância de conquistar as bocas para arrebatar emoções, o avô e o pai, marceneiros, passaram-lhe a precisão e o rigor milimétrico com que faz as composições de cada prato.
« Julgo que é de família: fazer bom, lindo e preciso. Eles cortavam árvores para fazer móveis, eu pego na cenoura para fazer um prato », resume, com simplicidade, o homem que tem « a sorte » de ser « oriundo de uma família de artistas » da Covilhã que chegaram a França nos anos 60 e que impuseram o apelido Rocha no ramo da serralharia artística e na invenção de revestimentos de ponta para a construção civil.
Os ossos do ofício estão ainda ancorados na família materna que tem unidades hoteleiras na Serra da Estrela, mas a possibilidade de aí trabalhar não o motiva neste momento porque « é economicamente complicado » e não se imagina « a cozinhar só comida tipicamente portuguesa » mesmo que a ideia de « ter um restaurante com estrela Michelin a 1800 metros de altitude seja altamente ».
O ‘chef’ realiza uma « cozinha francesa e internacional » e não gosta muito que lhe perguntem o que é que as suas receitas têm de português para não lhe colarem o rótulo de que só cozinha coisas lusas, mas ao longo da conversa vai-se descobrindo que até pastéis de bacalhau faz « às vezes ».
Afinal, as suas ‘receitas de autor’ têm fortes raízes portuguesas, a começar pelo azeite da terra dos pais e a passar pelas ostras da bacia de Arcachon « que foram trazidas para a bacia de Arcachon pelos portugueses » mesmo que hoje a região seja « o ‘rendez-vous’ dos parisienses e de todo o ‘jet set’ internacional, ao princípio eram aldeias de pescadores, sobretudo portugueses ».
« As ostras e o caviar, os frutos do mar, os crustáceos, a mistura da terra e do mar. Peixe e carne, gambas e porco, qual é o problema? » – sorri o ‘chef’, acrescentando que gosta de carne de porco à alentejana mas que não se deixa levar pela tentação dos mesmos ingredientes porque « isso seria redutor ».
A lagosta também é uma das suas matérias-primas favoritas e gosta de a moldar, por exemplo, com manjerona – uma erva aromática meia-irmã do oregão – mas também adora o ‘foie gras’ que utiliza « todo o ano », por exemplo, com uma folha crocante de sésamo por cima e com melão, figo, maçã ou cogumelos.
Entre classicismo francês e modernidade, Jean-Luc Rocha aposta numa « cozinha autêntica, apoiada nos produtos e identificável », vogando então « entre terra e mar », entre equilíbrio de sabores e ritmo das estações, algo que se vê na ementa de degustação do Saint James Paris.
Depois de um aveludado de batata com ostras e caviar da Aquitânia, há um ‘foie gras’ quente com uma folha crocante de sementes de sésamo e de papoila, pickles de legumes e doce de castanha, seguido de uma lagosta, com caldo da casca, ervas aromáticas e legumes em risotto, mais um ‘moelleux’ de cogumelos em ‘capuccino’ e peito e coxas de pombo marinado com chá Earl Grey à maneira de um ‘pot-au-feu’.
Para a sobremesa, destaque para os gomos de toranja e toranja em creme com pimenta de Timut, acompanhados com sorvete de lichia e lima, com finas folhas de merengue, e para o chocolate Carupano em creme estaladiço com nozes-pecã, calda de cacau e gelado de nata.
Hoje, quando há pratos portugueses na casa dos pais « é uma verdadeira identidade portuguesa » e « um prazer », mas a avó continua agarrada à cozinha lusa e não se deixa converter pelo neto: « Ao ‘foie gras’, ela chama-lhe ‘paté’. Quando trago para as férias de natal e de ano novo o ‘foie gras’, ela diz: ‘Dá cá um bocadinho de paté’. ‘Avó, não é paté, é ‘foie gras’! », conclui com um enorme sorriso.
Alfa/Lusa