Macron, oligarcas, poder, coletes amarelos, elites, redes, influência…… Entrevista com o advogado e escritor Juan Paulo Branco (29 anos), é este o seu nome exato. Juan estudou nas escolas das elites, mas denuncia-as.
Alfa/Expresso (publicado no semanário, edição de 06/07)
O FILHO DO PRODUTOR DE CINEMA PORTUGUÊS PAULO BRANCO, NASCIDO EM ESPANHA E ATUALMENTE COM 29 ANOS, É UM ADVOGADO FORMADO NAS ESCOLAS DAS ELITES FRANCESAS. “CRÉPUSCULE” É O SEU SEGUNDO LIVRO CONTRA EMMANUEL MACRON. A OBRA DE 312 PÁGINAS DENUNCIA SEM NUANCES AS “REDES OLIGÁRQUICAS” QUE “FABRICARAM” O PRESIDENTE FRANCÊS E É UM FENÓMENO
ENTREVISTA DANIEL RIBEIRO
Denuncia o poder das oligarquias e um boicote dos grandes media e, apesar disso, seja nos descarregamentos na internet seja nas livrarias, o seu livro está em primeiro lugar. Como explica isso?
Foi um milagre. É o paradoxo das redes sociais. Estas formam uma oligarquia em si, têm um poder imenso, mas o objetivo delas é fazer dinheiro com o negócio. Não é o caso dos oligarcas franceses que compraram os media. Nove pessoas compraram 90% dos mediafranceses para influir na política nacional e para que esta sirva os seus interesses. As redes sociais não funcionam assim e se, para ganharem dinheiro, provocarem revoluções sobretudo fora dos Estados Unidos, não interessa, o que querem é dinheiro e, portanto, não se servem do filtro político que os media franceses usam.
Mas é estranho o êxito do livro.
É. Evidentemente dependemos das redes sociais. Quando eles decidirem que não é bom difundirem este tipo de conteúdos estamos lixados. Temos de aproveitar esta abertura, mas sei que tudo pode mudar a qualquer momento. Para este milagre também contribuiu muito o forte movimento dos ‘coletes amarelos’, o facto do livro estar em acesso livre na net e de termos realizado dezenas de reuniões com centenas de pessoas por sessão.
“OS ‘COLETES AMARELOS’ LEVARAM A CABO UMA BATALHA ORGANIZADA. VERIFICOU-SE UMA INTELIGÊNCIA COLETIVA, E AGORA ESTAMOS NUMA ESPÉCIE DE TRÉGUA, PORQUE NÃO HOUVE VITÓRIA NEM DE UM LADO NEM DO OUTRO”
No livro diz que a ascensão de Macron foi planeada pelas oligarquias, que ele é um instrumento nas mãos delas — e dá nomes.
Sim. Não há teorias conspirativas, nada disso. Faço uma descrição muito detalhada e fundamentada, pessoa por pessoa, do que fez cada um para influenciar eleições e enfraquecer e controlar a democracia e a informação.
Descreve reuniões de gente importante, antes das presidenciais, para levar Macron ao Eliseu.
Sim. Também se verificou um sistema de nomeações nos media para promoverem alguém que não era conhecido no espaço público. Falo por exemplo do grupo Lagardère, que teve um papel determinante nesse domínio.
Fala noutros “oligarcas”, dos quais o Juan esteve muito perto ou conheceu pessoalmente.
Sim. Antes das eleições quase ninguém sabia que Macron era próximo de multimilionários como Bernard Arnault, de Xavier Niel, Lagardère, Gabriel Attal ou Patrick Drahi e, como os jornalistas não tinham esses dados, ficaram fascinados com a história que lhes contaram. Os franceses descobriram tarde demais que a pessoa que elegeram não era aquela que lhes tinham vendido. E estes oligarcas continuam a controlar e a apoiar o PR.
O Juan foi apoiado ainda muito jovem pelo ex-primeiro-ministro, Dominique de Villepin, trabalhou com o ex-presidente François Hollande, antes de se separar dele e do Governo e de apoiar os ‘coletes’ e de ser candidato pela França Insubmissa (esquerda radical). O maior erro de Hollande foi ter trazido Macron para a ribalta política?
Foi uma falta de coerência dele, mas que corresponde ao personagem, ele era o ‘sim para tudo’. O que Hollande não viu foi a mudança de sistema: o fim dos partidos e o peso que estavam a ganhar os oligarcas. Macron aproveitou-se disso.
Você formou-se nas “grandes escolas”, mas denuncia-as por formarem castas especiais, exclusivamente para que o poder não lhes escape.
Sim, estudei em SciencesPo, na ENA, em Normale Sup, na Escola Alsaciana e é por isso que consigo explicar muitas coisas do que afirmo. Hoje, nas três “grandes escolas” francesas, a percentagem de estudantes vindos das classes baixas é de 1 a 3%. A dos filhos de dirigentes económicos é de 60 a 70%. Macron vem daí e por isso não teve dificuldades para se integrar no Banco Rothschild, na administração e na política, onde, nesta, foi ‘fabricado’ pelos oligarcas.
O livro é um ataque frontal a gente poderosa. Sente-se perseguido ou ameaçado?
Não. Já ganhámos um certo avanço sobre eles. O livro vai sair em edição de bolso em outubro e com novas revelações e, como eles vão perceber que eu na realidade estive mais próximo da intimidade deles do que eles pensam, acho que pode haver algum problema.
Participou em almoços, jantares, em reuniões privadas com essas pessoas. Começou cedo, aos 19 anos?
Os contactos começaram aos 17. Mas além disso também fiz e faço investigação. Mas compreendi o sistema quando era jovem: aos 16/17 anos um jovem francês já sabe que vai ser ministro… E isso, essa endogamia, também se verifica em Portugal, como em todo o lado. É preciso estudar isso porque, apesar da democracia, é preciso perceber por qual razão tal ou tal pessoa aparece de repente na política, por exemplo.
Dê-me uma explicação para a longa e violenta revolta dos ‘coletes amarelos’. É advogado de Julian Assange e também de alguns ‘coletes’ e participou em manifestações duras.
A violência é sempre a expressão de uma deficiência de comunicação e de política, quando se verifica um disfuncionamento na sociedade. A manipulação do espaço público criou frustração e quando as pessoas perceberam que o nível da mentira tinha ido longe demais, quando compreenderam que pelos mecanismos normais já não conseguiam ter influência nas decisões públicas, explodiram quando apareceu a questão da taxa sobre os carburantes, que na realidade não tinha objetivos ecológicos, mas sim apoiar os mais ricos. A revolta nasceu aí.
A violência justifica-se quando um movimento tem o apoio de 80% da população?
Não se justifica, mas compreende-se. Mas a violência foi de certo modo contida, repare que nunca foram atacadas pessoas fisicamente. Os ‘coletes amarelos’ levaram a cabo uma batalha organizada. Verificou-se uma inteligência coletiva, sem dúvida, e agora estamos numa espécie de trégua, porque não houve vitória nem de um lado nem do outro.
O seu pai é uma figura do cinema europeu, a sua mãe é uma psicanalista espanhola. Que influência tiveram em si?
São pessoas muito exigentes. Nisso e em relação às questões intelectuais e às artes, tiveram grande influência. Penso que se envergonhariam de mim se eu estivesse na política de forma tradicional. Devido a eles interagi com gente de grande relevo intelectual que não tem nada a ver com os colegas com quem convivi nas escolas. Aprendi muito em casa. Eu nunca quis ser um grande gestor ou estar na política só por estar.