Alfa/Expresso Diário. Por Daniel Ribeiro
Capa do Libération de quarta-feira, 31
Morte de jovem de origem portuguesa não está esclarecida. “É caso de Estado”, afirma advogada da família. Polémica agudiza crise num país onde muitos denunciam “violências policiais” injustificadas
Chamava-se Steve Maio Caniço, tinha 24 anos e era lusodescendente. Não era “colete amarelo” nem militante político radical e desapareceu de 21 para 22 de junho, num cais de Nantes, durante a noite da festa da música, depois de uma controversa intervenção policial com gás lacrimogéneo e balas de borracha para pôr fim a um concerto “tecno” ao qual ele assistia.
Mais de cinco semanas depois, o seu corpo foi encontrado, por um barco civil, em estado avançado de decomposição, a boiar no rio Loire. A forte emoção, que já atravessava a França desde o seu desaparecimento, aumentou sensivelmente. E, agora, desestabiliza fortemente o poder, em Paris, porque as circunstâncias da morte de Steve ainda estão longe de esclarecidas.
Em Nantes, vive-se a incompreensão e a cólera – e, aí, acusa-se diretamente a polícia e o Governo de serem responsáveis pela sua morte, em manifestações sucessivas. No resto do país e no mundo político e dos media, a polémica alastra, fragilizando o Governo e o seu ministro do Interior. O caso faz manchetes e abre noticiários. “Morte de Steve: O que fez a polícia?”, pergunta nesta quarta-feira o jornal “Libération”, em manchete.
Num país que ainda não saiu da crise social violenta dos “coletes amarelos”, que dura há oito meses e onde o tema da “violência policial” é relevante (alguns mortos “colaterais” e centenas de feridos e estropiados), a morte de Steve Maia Caniço é assunto sensível e as suas consequências preocupam o Governo e a Presidência da República. O próprio chefe de Estado, Emmanuel Macron, já se pronunciou sobre este caso e, apesar de estar de férias, está em contacto direto com o seu Governo para controlar a comunicação sobre o drama de Steve.
Estas terça e quarta-feira, o Governo multiplicou as explicações sobre a polémica e foi o próprio primeiro-ministro, Édouard Philippe, que assumiu a comunicação oficial.
Um inquérito oficial da “polícia das polícias” francesa (IGPN), concluído na quinta-feira da semana passada, antes de ser encontrado o corpo, lançou gasolina sobre o fogo. Dizia que a intervenção policial na festa da música não tinha nada a ver com a morte do lusodescendente.
O problema é que existem imagens da enorme confusão com a intervenção muito dura, na festa, das forças de segurança, para pôr fim ao concerto e depoimentos de mais de uma centena de participantes. E também há notícias, confirmadas, de que, nessa noite, 14 pessoas caíram no rio Loire, para fugirem à polícia, às balas de borracha e aos gases lacrimogéneos.
Perante esta situação, Édouard Philippe anunciou a abertura de um novo inquérito “administrativo”, além de uma outra investigação judicial em curso por “homicídio involuntário”. Certamente a contragosto, o primeiro-ministro foi obrigado a reconhecer: “mais de cinco semanas depois, o desenrolar dos acontecimentos daquela noite permanece confuso.”
No entanto, o caso não acaba aqui e o Governo receia consequências. Cécile de Oliveira, advogada da família de Steve, denuncia o que considera um “caso de Estado”. “Claramente, o relatório da IGPN não é objetivo e o facto de o Executivo assumir um caso confiado a um juiz de instrução parece-me relevador de um momento político muito complicado sobre as intervenções policiais”, afirma.
Steve Maia Caniço não estava ligado a movimentos radicais. Era educador infantil e descrito como pessoa simples, calma e educada, que gostava de música tecno. Colegas dizem que não sabia nadar e que não aguentava álcool. Vivia com o pai, português, que estava separado da mãe, francesa, segundo fontes fidedignas ouvidas pelo Expresso.