A existência ou não de uma democracia na Coreia do Norte « é uma opinião », não um facto que se possa avaliar de forma objetiva. Jerónimo de Sousa argumentou assim no repique de uma resposta durante uma entrevista ao Polígrafo publicada este domingo. Questionado sobre se o incomoda que o regime liderado pela dinastia Kim há três gerações não seja uma democracia, o secretário-geral do PCP respondeu: « Eu não fazia essa classificação de ser ou não ser ». Perante a insistência na pergunta – « porque é que tem tanta dificuldade em admitir que não há uma democracia na Coreia do Norte? » – o líder comunista respondeu com outra interrogação e um pressuposto: « O problema não é esse. O que é a democracia? Primeiro tínhamos de discutir o que é a democracia ».
A questão da Coreia do Norte já tinha feito correr muita tinta e polémica em 2003, quando Bernardino Soares – então líder parlamentar do PCP e hoje presidente da câmara de Loures – manteve o mesmo tipo de ambiguidades: « Tenho dúvidas de que a Coreia do Norte não seja uma democracia », disse há 16 anos o dirigente comunista numa entrevista ao Diário de Notícias, tendo pedido depois para a mesma não ser publicada (o que o jornal não aceitou). A declaração de Bernardino Soares gerou controvérsia no próprio grupo parlamentar: « Pessoalmente, não tenho dúvidas de que a Coreia do Norte não é uma democracia », reagiu no dia seguinte o deputado Lino de Carvalho, em declarações à TSF (Lino de Carvalho morreu em 2004). Esta posição era acompanhada pelo eurodeputado comunista Joaquim Miranda, que tinha tinha considerado « este novo posicionamento muito grave », ao « contrariar a posição assumida até há bem pouco tempo pelo partido, que era de distanciamento relativamente ao regime em vigor naquele país » (Joaquim Miranda morreu em 2006).
Atendendo às dificuldades que Jerónimo de Sousa teve para se posicionar de forma clara face ao regime de Pyongyang – uma das ditaduras mais cuéis e fechadas do mundo -, isso significa que o tema continua com pontas soltas no PCP. O secretário-geral comunista recusou fazer uma classificação do comunismo norte-coreano a o Polígrafo e seguir argumentou com a mensagem normalmente repetida, de que a via que o partido defende para o socialismo em Portugal é diferente das demais: » O que eu acho é que, primeiro, há o principio que eles afirmam. Em segundo lugar, nós, em relação ao nosso projeto de sociedade, seria com certeza bem diferente do modelo da Coreia do Norte, tendo em conta a nossa cultura, tendo em conta a nossa história, tendo em conta o nosso povo. Estas opiniões críticas não invalidam que nos coloquemos do lado de uma solução política, de uma solução pacífica… »
Sem explicar o que está no documento que citou, ainda justificaria: « As certezas que tenho são as conclusões do congresso do PCP: nós temos diferenças de opinião e até divergências. » Mas não explicitou que diferenças e divergências eram. E foi então que suscitou a questão sobre o que seria uma democracia. « O PCP defende uma democracia avançada tendo em conta os valores de Abril, sem perder a perspetiva da construção do socialismo », acrescentava.
Em 2014, o PCP votou no Parlamento contra um voto de condenação dos crimes do regime comunista norte-coreano (que costuma enviar uma delegação aos congressos do PCP), e que tinha como base um relatório apresentado pela ONU contestado pelos comunistas.
Mas antes de falar das diferenças e divergências, Jerónimo já tinha respondido que era matéria de « opinião » uma democracia passar por líderes eleitos e não por um princípio sucessório: « É uma opinião. Digo-lhe pela terceira vez: nós, em relação a esse e outros países que se afirmam de construção do socialismo, nessa matéria temos diferenças e divergências. Os caminhos para a transformação social e o socialismo na nossa pátria são de certeza diferentes ».
Confrontado com a resposta de Bernardino Soares há mais de uma década, o líder comunista ironizou: « Não estava a fazer a pergunta a ver se eu caía nessa, não? »