“Não sabes falar, nem ler português”. Um deputado lusodescendente na Madeira

“Não sabes falar, nem ler português”. Na Madeira, deputado do PSD acusa parlamentar do PS de xenofobia. No plenário debatiam-se os apoios do governo da República aos emigrantes e o facto de a Madeira estar fora do programa ‘Regressar’ quando, num aparte à intervenção do deputado lusodescendente Carlos Fernandes, um parlamentar socialista terá exclamado: “não sabes falar, nem ler português”.

Alfa/Expresso. Por Marta Caires

O PSD fala de injúria e xenofobia, o PS diz que não é caso para tanto e classifica a reação como aproveitamento político, mas não nega o aparte de Beto Mendes, o deputado no centro da mais recente polémica na Assembleia Legislativa da Madeira. E o homem no meio desta troca de acusações preferiu remeter-se ao silêncio, mas, entre os sociais-democratas e o núcleo de emigrantes do PSD, o “não sabes falar, nem ler português” ganhou importância política. O caso está a circular nas redes sociais como um mau exemplo sobre a maneira de acolher os emigrantes.

A história começou no período de antes da ordem do dia do plenário desta quarta-feira no Parlamento madeirense quando se debatia os apoios do governo da República aos emigrantes. Carlos Fernandes, do PSD, lusodescendente e um dos dois deputados nascidos na Venezuela eleito nas últimas regionais, criticava o facto de o programa ‘Regressar’ excluir dos apoios os emigrantes que queiram instalar-se na Madeira ou nos Açores. Nesses casos, não recebem as ajudas que o Estado dá a quem regressa.

A crítica à atitude da República depressa se transformou num debate sobre xenofobia. É que, enquanto o lusodescendente falava (com sotaque castelhano), Beto Mendes, eleito pelo PS, terá dito, num aparte, “não sabes falar, nem ler português”. O líder parlamentar do PSD exigiu explicações, a bancada tentou desculpar-se e, já fora do hemiciclo, Miguel Iglésias, presidente do grupo parlamentar, explicou que, de facto, alguns apartes são fora de tempo, mas que não é caso para tanto, nem é assunto para se classificar como injúrias. O PSD, explicou o líder da bancada parlamentar socialista, está a fazer aproveitamento político.

Beto Mendes, o deputado socialista, optou por ficar em silêncio, enquanto Carlos Fernandes, o deputado do PSD, entende que o PS deve tomar uma posição séria. A questão é que os apoios para recomeçar uma vida nova são um assunto importante para os que regressam da Venezuela, da África do Sul e que podem chegar depois do Brexit no Reino Unido. Em todos estes países as comunidades têm uma larga maioria com origem na Madeira. Da Venezuela, chegaram à Madeira nos últimos três anos cerca de oito mil pessoas, muitas em situações precárias.

MAIORIA DE CRÍTICOS DE MADURO ENTRE OS EMIGRANTES QUE REGRESSARAM

Além do problema social, dos impactos nos serviços públicos, nos centros de saude, nas escolas e no mercado de trabalho, a entrada de mais oito mil pessoas com nacionalidade portuguesa e em condições de votar nas eleições regionais de 22 de Setembro terá tido um peso importante no resultado e na maioria PSD-CDS que, neste momento, governa a Madeira. O CDS elegeu Ana Cristina Monteiro, presidente da associação de apoio à integração de emigrantes, a Venecom, e o PSD elegeu Carlos Fernandes, activista, membro do núcleo de emigrantes dos sociais-democratas.

Composta por uma maioria de críticos ao governo de Nicolás Maduro, que responsabilizam pela grave crise social que se vive na Venezuela, a comunidade lusovenezuelana associou os partidos de esquerda ao caos e, para isso, não terão ajudado as ligações de José Sócrates, nos tempos em que era primeiro-ministro, a acordos e negócios com os governos de Hugo Chávez. Na Madeira, no período que antecedeu as eleições, houve várias tentativas de aproximação à comunidade lusovenzuelana por parte do PS e do então candidato independente Paulo Cafôfo.

O ex-presidente da Câmara do Funchal desfraldou uma bandeira da Venezuela na varanda da câmara durante a manifestação de apoio a Juan Guaidó que decorreu na praça do munícipio em Janeiro deste ano. A aproximação não atingiu os níveis de envolvimento dos partidos do centro-direita.

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