19 jogadores do Sporting contam tudo sobre o ataque a Alcochete (e como Palhinha protegeu Montero)
Alfa/Expresso por HUGO FRANCO, PEDRO CANDEIAS E RUI GUSTAVO
Expresso teve acesso aos autos da GNR. Trata-se de testemunhos que relatam o momento mais negro da história do Sporting – o dia em que um grupo de homens invadiu a Academia e agrediu e insultou jogadores e staff
nota: este artigo contém linguagem que pode ofender a sensibilidade dos leitores, mas é mantida no artigo tal como surge nos autos da GNR de forma a que se entenda na plenitude a violência a que foram sujeitos os elementos do Sporting Clube de Portugal alvo de ameaças e agressões
A Tribuna Expresso teve acesso a mais de 20 testemunhos de elementos do Sporting prestados no Comando Territorial de Setúbal na noite de 15 maio, horas depois do ataque do grupo de encapuzados a Alcochete. Jogadores, fisioterapeutas, um scout e um preparador físico traçam um cenário de terror que começou pouco antes das 17h e terminou minutos depois – mas que deixou um rasto de violência física e de abusos verbais que levaram os « depoentes » a estados de « choque » e a « temer pela vida ».
Este é um relato de socos, pontapés, estaladas, um garrafão de 25 litros de água, cintos, empurrões, tochas, queimaduras , ameaças, cacifos, caras tapadas e descobertas, algum sangue, alvos definidos – e de uma ideia comum: a de que aquele grupo sabia por onde entrar e aonde se dirigir e atuou « em bloco », « com alguma organização », agiu « premeditadamente » e bloqueou a saída enquanto espalhou o medo.
BAS DOST (JOGADOR)
O holandês refere que primeiro passaram dois grupos de homens por ele (um composto por dois, outro por seis indivíduos) sem que nada acontecesse. Posteriormente, um homem encapuzado deu-lhe com um cinto na cabeça que « o fez cair no chão », onde continuou a ser agredido pelo mesmo agressor e por outro que lhe fez companhia. Bas Dost confessou ter « ficado em estado de choque ».
ACUÑA (JOGADOR)
O argentino refere que o grupo tentou fechar a porta do balneário aos invasores, mas que tal não foi possível dado o número destes últimos, « cerca de 50 elementos que trajavam roupas escuras e alusivas ao Sporting Clube de Portugal, todos de cara tapada, que rapidamente forçaram a entrada no balneário ». Acuña confessou que « sobre ele caíram cerca de 5/6 meliantes que o agrediram fisicamente com murros na zona da cabeça e corpo ». O sul-americano disse também que os « meliantes o ameaçaram », dizendo que sabiam onde morava e que devia ter cuidado.
WILLIAM (JOGADOR)
O médio, tal como todos os outros futebolistas, encontrava-se no balneário a trocar de equipamento para o treino no relvado quando os invasores irromperam nas instalações. « Foram lançadas várias tochas de fumo, ouviu gritos. » William garante ter sido « agredido por três indivíduos com socos na zona do peito ». No final do testemunho, William afirma que « teve conhecimento pelo seu colega de nome Rui Patrício que já existiram situações passadas de ameaças de adeptos aos jogadores da equipa ».
BATTAGLIA (JOGADOR)
O argentino declarou ter visto os « indivíduos irromperem pelo balneário […] a perguntar onde estava o Battaglia ». « Quando o visualizaram, dirigiram-se à sua pessoa cerca de cinco a seis indivíduos que o ofenderam verbalmente, ameaçaram-no de morte ». Enquanto era insultado, Battaglia foi agredido com « murros na face, ombro direito e tronco e ainda, enquanto estava a tentar proteger-se, foi atingido na cintura e costas com um garrafão de 25 litros de água que lhe provocou fortes dores ».
MISIC (JOGADOR)
O médio foi agredido com um cinto na cabeça por um indivíduo corpulento de 1,80 metros.
BRUNO CÉSAR (JOGADOR)
O brasileiro subiu a uma maqueira e, ao espreitar pela janela do balneário, viu um grupo de indivíduos de cara tapada e com cores do Sporting. Não foi agredido, mas viu William e Battaglia a serem agredidos com socos e bofetadas; quando tentou socorrer os colegas, foi ameaçado de morte. Segundo Bruno César, « o grupo atuou sempre em bloco, com alguma organização, presumindo que tais atos foram premeditados, barrando claramente a tentativa de fuga dos atletas para o exterior ».
FREDDY MONTERO (JOGADOR)
O colombiano diz que « os indivúdos forçaram a entrada no balneário ao mesmo tempo, dispersaram-se do mesmo, arremessaram vários artigos pirotécnicos, entre os quais bombas de fumo e tochas ». Montero recorda-se de ouvir « onde está o Acuña e o Battaglia? », entre insultos. Depois, Montero foi agredido com duas estaladas e garantiu que teria sido « mais agredido » se Palhinha não se tivesse agarrado a ele, para o proteger.
FÁBIO COENTRÃO (JOGADOR)
O defesa garantiu que não foi agredido mas viu os seus colegas serem alvo de agressões. Temeu pela vida perante o grupo de agressores, que atuou sempre « em bloco, com uma certa orientação e organização, presumindo que tais atos foram premeditados ». Fábio diz ainda temer « pela continuação de tais atos ou até de maior grau de violência ».
PALHINHA (JOGADOR)
O jovem médio descreve os acontecimentos de forma semelhante aos seus colegas: espreitou pela janela e « viu um grupo de cerca de 20 a 30 indivíduos invasores entrarem a atirar tochas a arder, a revoltar o balneário, a ameaçar e a agredir alguns colegas, nomeadamente Battaglia, William, Acuña e Montero ».
RISTOVSKI (JOGADOR)
O defesa viu Acuña e outros colegas a serem agredidos violentamente e sentiu-se aterrorizado e impotente para reagir perante o que se estava a passar. Ristovski disse ainda « sentir receio que esta situação se volte a repetir, quer no seu local de trabalho quer na sua vida particular, sentindo-se assim condicionado na sua vida por este medo ».
RÚBEN RIBEIRO (JOGADOR)
O médio contratado em janeiro ao Rio Ave disse ter sido avisado por André Pinto que vinham ali « uns mascarilhas ». Rúben « viu então o segurança da Academia de nome Ricardo tentar fechar a porta, tentando ainda opor-se à entrada dos suspeitos, não conseguindo em virtude de ser empurrado ». O português assistiu às agressões a Acuña e ouviu ameaças como esta: « Se não ganham a Taça estão fodidos ». Disse também ter ouvido alguém a dizer no exterior « vamos embora, vamos embora », tendo os agressores saído do local, não sem antes alguém arremessar uma tocha para dentro do balneário.
PICCINI (JOGADOR)
O defesa estava em tratamento no departamento médico quando ouviu « bastante barulho » junto ao balneário. Viu as agressões a Battaglia e a William Carvalho, sentiu medo e pânico, mas não foi agredido
SALIN (JOGADOR)
O guarda-redes diz que o grupo de invasores entrou agressivamente no balneário (vestiam de preto, cara tapada) lançando tochas de fumo, gritando e ameaçando William e Rui Patrício: « Tira essa camisola, vamos foder-te! Há tempo que queres ir embora, tira essa camisola, não te queremos mais aqui ». Salin não foi agredido e tentou evitar « agressões a William e a Rui Patrício ». Salin temeu « pela sua própria vida ».
DOUMBIA (JOGADOR)
O avançado da Costa do Marfim garante que os invasores procuravam William Carvalho e Rodrigo Battaglia, que o ameaçaram e que lançaram vários engenhos pirotécnicos, « provocando um intenso cheiro a queimado e uma insuportável nuvem de fumo no edifício, deflagrando o alarme de incêndio no balneário, provocando o pânico entre os presentes ». Sentiu-se aterrorizado e impotente.
GELSON (JOGADOR)
O extremo português estava a conversar com Acuña quando ouviu gritos vindos do exterior. Pouco depois, os invasores entraram e agrediram Acuña « com as palmas das mãos abertas ». « Foi perceptível verificar um indivíduo com um cinto na mão direita, sendo que a parte da fivela se encontrava em efeito de pêndulo, para aquando de um movimento brusco a mesma efetuar um efeito de chicote ». Gelson temeu pela vida e diz que os agressores estavam « direcionados para os atletas Acuña, Rui Patrício, William e Battaglia ».
BRUNO FERNANDES (JOGADOR)
O médio ofensivo estava ao lado de William e foi empurrado pelos invasores, tendo sido « cercado por vários indivíduos » e depois « agredido com chapadas ». « Seguidamente, viu Battaglia, Acuña e Rui Patrício a serem também cercados e agredidos por vários indivíduos. »
PETROVIC (JOGADOR)
O sérvio foi agredido com um « murro nas costelas ».
PODENCE (JOGADOR)
O português descreve que o segurança da Academia tentou suster o avanço dos invasores com outros elementos do Sporting. Depois, uma vez lá dentro, os agressores começaram a agredir quem apareceu pela frente, sendo que William se levantou para tentar acalmar os ânimos. « Nesse mesmo instante, William foi rodeado por três ou quatro indivíduos. Viu ainda Misic ser agredido com um cinto na face. » Podence garante que Acuña e Battaglia estavam sinalizados pelo grupo que invadiu Alcochete – foram socados e pontapeados.
LUMOR (JOGADOR)
O futebolista ouviu gritos vindos do exterior e « apercebeu-se que começaram a entrar vários indivíduos com o rosto coberto por máscaras e camisolas impedindo assim que fossem reconhecidos » . Lumor não foi agredido, viu « alguns dos seus companheiros a serem agredidos pelos indivíduos que se encontravam no interior do balneário, tendo inclusivé implorado para que os mesmos parassem, mas sem sucesso ».
MANUEL FERNANDES (FUNCIONÁRIO DO SPORTING, EX-JOGADOR)
Manuel Fernandes, um dos símbolos do Sporting, refere ter visto « 30 indivíduos a dirigirem-se em corrida em direção ao balneário onde se encontrava a equipa de futebol do Sporting ». Viu « vidros e portas partidas », objetos nas mãos dos invasores e no « interior do balneário » olhou para Bas Dost « a sangrar da cabeça, ostentando diversas marcas ».
JOSÉ ANTÓNIO LARANJEIRA (SCOUT)
O scout do Sporting viu « cintos » e « um objeto cilíndrico » nas mãos dos invasores, que traziam máscaras de esqui, cachecóis e refere que Jorge Jesus foi agredido por trás com um « murro na cara ». Mais tarde, Laranjeira assistiu a uma conversa entre Jorge Jesus e William Carvalho com cinco dos invasores de cara descoberta, que terão dito: « Não era isto que pretendíamos, o nosso objetivo era falar com os atletas ». O scout avança a hipótese de William conhecer os indivíduos « membros da claque Juve Leo ». Além disso, os invasores « conheciam as instalações, bem como do interior do edifício que invadiram, pois estes dirigiram-se diretamente ao balneário ».
GONÇALO JOSÉ FONTES AVEIRO (FISIOTERAPEUTA)
O fisioterapeuta viu um « indivíduo a atirar uma tocha acesa para o interior do balneário », embora não o tenha conseguido « reconhecer por estar de costas ». Gonçalo diz ter « conhecimento de que vários jogadores sofreram lesões provenientes dos ataques de que foram vítimas ».
LUDOVICO MARQUES (MASSAGISTA)
O massagista Ludovico Marques, que serviria também de tradutor para Doumbia, ouviu rumores de que havia « adeptos encapuzados » na Academia, tendo ouvido depois insultos como « filhos da puta, joguem à bola ». Segundo Ludovico, « 20 ou 30 indivíduos de cara tapada » entraram no balneário, quatro deles a « dirigirem-se a Acuña, agredindo-o com socos e pontapés ». Mais: disse que viu Acuña « encolher-se em posição de defesa, encostado ao cacifo ». William Carvalho também foi « cercado no meio do balneário por cerca de cinco indivíduos que o agrediram com vários socos, pontapés e a ser agarrado na cabeça e nos braços ». O « enfermeiro Carlos Mota [foi] agredido por um indivíduo com um murro nas costas ». Por outro lado, Ludovico viu « dois indivíduos a arremessarem duas tochas acesas, tendo uma delas sido enviada contra os jogadores e outra foi colocada no caixote do lixe ». Por fim, o massagista também alude aos insultos e às ameaças: « Vocês são uns filhos da puta. Cabrões. Montes de de merda. Estão fodidos! Vamos rebentar-vos a boca toda ».
MÁRIO MONTEIRO (PREPARADOR FÍSICO)
O preparador físico levou com uma tocha que lhe queimou o braço e a barriga. Depois, em conversa com Fernando Mendes, líder da Juve Leo que lhe confessou não se rever no que se tinha passado, mostrou-lhe as queimaduras.