Os emigrantes e O Castelo de Kafka – Editorial do Público

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Os emigrantes e O Castelo de Kafka. O emigrante, por norma, distante da realidade política do país e preso a uma representação anacrónica da sociedade convive hoje com organizações de portugueses que reivindicam os seus direitos e querem cumprir os seus deveres cívicos.

Alfa – Editorial do Público, por Amílcar Correia

O aumento substancial da participação dos emigrantes portugueses nas últimas legislativas confirma a pertinência do recenseamento eleitoral automático. Nada mais simples e evidente. A diplomacia e os seus processos burocráticos têm de se tornar cada vez mais digitais, adaptando-se às características de uma emigração que tem mudado aceleradamente de perfil.

O emigrante, por norma, distante da realidade política do país e preso a uma representação anacrónica da sociedade, convive hoje com organizações de portugueses que reivindicam os seus direitos e querem cumprir os seus deveres cívicos. O recenseamento automático, com base na morada do cartão de cidadão, o que só se verificava com os residentes no território nacional, deve-se mais a elas do que a um Estado cuja rede consular ainda é tão inatingível como o castelo do livro de Franz Kafka ou o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras de Lisboa.

Contudo, nem tudo correu bem neste processo e isso merece ser apurado. Em alguns casos, os problemas explicam-se pelas debilidades da distribuição postal, como aconteceu com os correios da África do Sul: muitos eleitores só receberam o boletim de voto depois da data das eleições. Em outros, a culpa é dos próprios serviços: atrasos no envio de boletins, erros de moradas, etc. O que há a reter de tudo isto é que é necessário melhorar um processo eleitoral no qual os emigrantes estão dispostos a participar mais do que nunca e que os portugueses que vivem no estrangeiro continuam a ter razões para exigir do Estado a devida resposta e respeito.

A prontidão com que o primeiro-ministro foi indigitado e o Governo foi formado é de celebrar. O Presidente recebeu o vencedor, recebeu os partidos, estes conversaram e desconversaram entre si, discutiram lugares na Assembleia, por aí fora. A questão é que tudo isso teve lugar sem ter em conta os resultados dos círculos da emigração: os quatro deputados são escolhidos por um universo de 1,4 milhões de portugueses.

O número não é despiciendo. A suspensão dos resultados eleitorais e o adiamento da tomada de posse do Governo, devido à reclamação do PSD ao Tribunal de Constitucional, para que os votos nulos sejam contabilizados como abstenção, é uma ironia. E uma formalidade. Os incidentes processuais já não alteram o resultado do jogo. Há aqui um paradoxo que é contraproducente para os interesses do Estado e da democracia: não podemos melhorar os processos de participação do voto antecipado e ao mesmo tempo desvalorizar ou manobrar politicamente os resultados desses círculos. E isso é mais do que uma formalidade.

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