O pai e a madrasta de uma criança, morta em maio, em Peniche, foram acusados pelo Ministério Público de Leiria dos crimes de homicídio qualificado e de profanação de cadáver, em coautoria, segundo um despacho hoje consultado pela agência Lusa.
Segundo o despacho de acusação, o casal responde também pelo crime de abuso e simulação de sinais de perigo, enquanto o pai da criança de nove anos está ainda acusado de um crime de violência doméstica.
As alegadas agressões do pai sobre a filha terão tido por base suspeitas de que a menor estaria a ser vítima do crime de abuso sexual, mas para o Ministério Público (MP) “não resultam quaisquer indícios do cometimento de tal ilícito, uma vez que o relatório da autópsia não evidencia a existência de qualquer sinal de contacto/abuso sexual”.
De acordo com a acusação, a menor,, esteve a passar uma temporada ininterrupta em casa do pai, em Peniche, entre 15 de março e 06 de maio de 2020.
No dia 01 de maio, o progenitor, de 33 anos, natural de Caldas das Rainha, confrontou a filha com a “circunstância de ter chegado ao seu conhecimento que a mesma tinha mantido contactos de cariz sexual com colegas da escola”.
Na presença da companheira, de 39 anos e natural de Peniche, ameaçou Valentina com uma colher de pau, que depois terá usado para lhe bater quando a menor admitiu os factos.
Cinco dias depois, o arguido decidiu confrontar de novo a criança com os mesmos factos, voltando a agredi-la, relata o Ministério Público, referindo que depois colocou a filha na banheira, atingindo-a com água a ferver, sempre na presença da arguida, para que a criança falasse.
O pai continuou com as agressões, apesar “dos gritos e súplicas” da filha, que foi ainda atingida com uma “pancada com muita força na cabeça” que lhe provocou uma “hemorragia interna”.
Esta pancada terá feito com que a menor caísse na banheira, de onde foi retirada a “desfalecer e a ter convulsões”, mas, ainda assim, continuou a ser esbofeteada pelo pai.
Já inanimada, a criança permaneceu deitada no sofá, sem que os arguidos pedissem socorro, adianta o MP, explicando que o filho mais velho da arguida apercebeu-se da situação, mas foi mandado para o quarto.
No mesmo dia, 06 de maio, o casal saiu de casa e foi à lavandaria, deixando a menor “inanimada e a agonizar” no sofá, e, “por volta do meio da tarde”, constatou que a criança tinha morrido, “formulando então o propósito de esconder o cadáver da mesma e de encobrir os seus atos”.
Segundo o relatório da autópsia citado pelo MP, a morte de Valentina “foi devido a contusão cerebral com hemorragia subracnoideia”.
O casal escondeu o corpo da Valentina numa zona florestal, na serra d’El Rei, e combinou, no dia seguinte, alertar as autoridades para o “falso desaparecimento” da criança.
As operações policiais decorreram entre a tarde dos dias 07 e 10 de maio, quando o corpo foi encontrado após indicação do arguido às autoridades.
O MP salienta que os arguidos “deixaram a menor entregue a si própria no sofá da residência, durante várias horas, apercebendo-se da gravidade do estado de Valentina”. Acresce que perceberam que “estava moribunda”, mas continuavam “a fazer a sua vida quotidiana (…) sem lhe prestar qualquer socorro ou auxílio”.
Para o MP, pai e madrasta deixaram Valentina “a agonizar, na presença dos outros menores, indiferentes ao sofrimento intenso da mesma”, não havendo dúvidas de que a madrasta colaborou na atuação do pai sem promover o socorro à menor ou impedindo as agressões.
No despacho, o MP pede uma indemnização civil de 1.786 euros pelos gastos que os meios de socorro e policiais tiveram nas buscas para encontrar Valentina.
Ambos os arguidos estão detidos preventivamente.
Com a Agência Lusa.