França vai implementar aquilo com que Portugal quer acabar: qual o impacto das quotas de imigrantes?
Ainda sem números definidos, o Governo francês prepara-se para implementar uma política de quotas de emprego imigrante já no próximo verão. Em Portugal já existem há uma década, mas durante a campanha eleitoral António Costa prometeu acabar com estas “quotas absurdas”
Em 2018, mais de um milhão e meio de estrangeiros estavam empregados em França. Em números absolutos, era o quinto país da União Europeia com mais pessoas não nacionais a trabalhar e a descontar – percentualmente, a história é diferente e França é o 15º numa lista liderada pelo Luxemburgo. Esta terça-feira, o governo francês anunciou que se prepara para estabelecer quotas e definir tectos máximos de empregabilidade de imigrantes.
“Ideias destas têm sempre que ver com duas coisas: a necessidade de regular os fluxos migratórios ou ir ao encontro de uma opinião pública que acredita que existe uma entrada desregulamentada de imigrantes no país. Neste caso, parece-me que é claramente a segunda opção”, diz Francisco Madelino, economista e ex-presidente do Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP). E explica: “o Governo tem uma grande pressão do crescimento de grupos populistas e nacionalistas. Assim, consegue não ser contra a imigração, porque criou quotas e quer evitar situações de precarização de quem entra no país mas, ao mesmo tempo, o verdadeiro objectivo é o de ter uma política mais contida.”
Posição semelhante tem João Cerejeira, professor de Economia na Universidade do Minho, que defende que “implementar quotas nestas matérias é sempre uma maneira de restringir a imigração”. “É uma medida mais política do que económica.”
O plano do Executivo francês para a política migratória só vai ser apresentado esta quarta-feira, mas, em entrevista à BMFTV, a ministra do Trabalho francesa, Muriel Pénicaud, anunciou algumas das medidas a adotar. “Haverá sempre trabalhos com necessidades que não são preenchidas e teremos sempre necessidades adicionais. Queremos completar os recursos humanos que já temos em França. Ao complementar, a imigração vai ser uma oportunidade”, disse. As quotas vão ser depois definidas consoante “as necessidades do país”.
No entanto, estas balizas só devem ser aplicadas exclusivamente a cidadãos com origem em países de fora da União Europeia e que queiram entrar em França. De acordo com o Tratado do sobre o funcionamento da União Europeia, reforçado pela legislação comunitária e pela jurisprudência do Tribunal de Justiça, os cidadãos europeus têm direito a procurar emprego e trabalhar noutros Estados membros sem “precisarem de uma autorização”, assim como de “usufruir do mesmo tratamento que os nacionais do país em questão no que se refere ao acesso ao emprego, condições de trabalho e todos os outros benefícios sociais e fiscais”. Ou seja, qualquer pessoa com nacionalidade de um país da União Europeia tem os mesmo direitos de um cidadão francês – e isso inclui, por exemplo, todos os portugueses emigrados em França.
Economicamente, fixar quotas faz sentido? “Quando há fortes movimentos migratórios, sim”, nota Francisco Madelino. “As sociedades têm capacidade de assimilação e economias limitadas e, nesse sentido, as quotas são positivas”, defende, recordando que Canadá e Austrália assumiram posições semelhantes em determinados momentos e que foi uma “forma de integração das pessoas na comunidade sem as sujeitar a situações de ilegalidade como acontece nos EUA e Reino Unido, que têm sempre taxas de imigração extremamente altas e que depois expulsa essas pessoas quando já não precisa delas.”
Para João Cerejeira, na generalidade da economia, receber estrangeiros é positivo. “O ganho que há é muito é superior ao possível prejuízo entre o grupo dos menos qualificados.” O professor universitário sublinha que muitos dos imigrantes chegam e ocupam as profissões menos qualificadas que, se por um lado, beneficia os locais com melhores habilitações literárias – “têm funções complementares e o posto de trabalho de um não substitui o do outro” -, por outro acabam, por vezes, por entrar em conflito com a população nacional com menores qualificações, que concorrem pelos mesmos empregos. “Tende a existir algum efeito nulo ou ligeiramente negativo nos meios económicos menos qualificados”, diz. “E, em França, o crescimento da extrema-direita está precisamente associado a uma camada popular que sente essa concorrência.”
A questão das quotas de imigração já no passado havia sido negada pelo presidente Emmanuel Macron. Já para a Frente Nacional, o partido de extrema-direita que defende uma política anti-migratória, considerou as medidas do Executivo como uma distração e que, “na verdade, não vai ter efeitos”, considerou Marine Le Pen, citada pela imprensa francesa.
PORTUGAL JÁ TEM QUOTAS, MAS COSTA PROMETE ACABAR COM ELAS
Foi há quase um década que o Governo português decidiu definir quotas de emprego imigrante. Nessa altura, a taxa de desemprego já passava os 10% e viria a aumentar nos anos seguintes. Em 2009, o executivo de José Sócrates limitava a 3850 o número de trabalhadores em Portugal com origem de fora do espaço Schengen.
E assim haveria de continuar até 2019, quando o tecto máximo mais do que duplicou, fixando-se em 8200 pessoas. Ainda assim, o primeiro-ministro não está satisfeito e, em setembro, num evento de campanha eleitoral na Associação Cabo-verdiana, em Lisboa, prometeu acabar com “as absurdas quotas”. “Uma das primeiras alterações que temos de fazer é a de acabar de uma vez por todas com essa absurda existência de quotas para a fixação de contingentes laborais, tendo em vista a concessão de autorizações de entrada e de residência no nosso país. Não faz o menor sentido”, disse na altura.
O economista Francisco Madelino faz questão de salientar que os casos francês e o português são “totalmente distintos”. Portugal, diz, está novamente com um saldo migratório negativo – ou seja, há mais pessoas a sair do que a entrar -, a taxa de desemprego é “relativamente baixa” e há “expectativas de crescimento económico”. “Não temos as mesmas pressões que França. A ausência de quotas é uma medida que, na atual situação do mercado de trabalho nacional, se percebe e não tem importância económica”, defende.
Já João Cerejeira vai mais longe e duvida que estas quotas nacionais alguma vez tenham tido qualquer efeito prático. “Acho que sempre foi mais um entrave burocrático do que outra coisa”, refere, sublinhando que uma série de empresas fizeram uma procura ativa por trabalhadores estrangeiros por “simplesmente não existir mão de obra disponível para alguns postos de trabalho, nomeadamente em sectores como a agricultura, construção e alguma indústria”.
Portugal tinha, em 2018, uma taxa de estrangeiros empregados de 2,5%, estando entre as taxas mais baixas da União. Com percentagem menor só Lituânia, Polónia, Hungria, Croácia, Eslováquia, Bulgária e Roménia. Em termos absolutos, o mercado laboral português está em 15º lugar comparativamente com os restantes Estados-membros, tendo 122 mil trabalhadores estrangeiros.