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Alfa/Expresso. Por Daniel Ribeiro (pode ler este artigo na sua edição original no Expresso – Semanário, em edição papel ou digital em expresso.pt)
Eleito há dois anos e meio, o jovem Presidente Emmanuel Macron volta a viver dias políticos muito complicados. Mais de um ano após o início da revolta dos “coletes amarelos”, que levou o caos a França durante meses seguidos, volta a estar sob forte pressão e tem de encontrar soluções, em quase “estado de emergência”, para pôr fim a uma nova crise social — uma greve geral — cuja dimensão não esperava.
Macron travou o movimento dos “coletes” com um custo para as contas públicas de €17 mil milhões. Se ceder de novo, poderá perder definitivamente a imagem que mais trabalhou para conquistar o poder: a da promessa de ser o Presidente moderno e reformista pelo qual a França esperava há muitos anos. O chefe de Estado enfrenta uma greve geral com forte adesão contra o seu projeto de rever o sistema de cálculo dos montantes das reformas dos pensionistas franceses, que paralisa o país desde quinta-feira, dia 5.
Com escassa experiência política, Macron terá ficado surpreendido com a forte mobilização conseguida pelos sindicalistas, que reuniram nesse dia, nas ruas de França, entre 800 mil e 1,5 milhões de manifestantes (segundo números da polícia ou dos sindicatos).
DE ADVOGADOS A ESTIVADORES
Os próprios sindicatos, que estavam em crise desde há alguns anos e tinham sido substituídos nos protestos reivindicativos por movimentos espontâneos, sem líderes nem história, como o dos “coletes amarelos”, ficaram surpresos com a adesão em massa a esta greve convocada por tempo indeterminado, designadamente no sector dos transportes públicos — comboios, metropolitanos e autocarros.
Macron travou os“coletes” com um custo para as contas públicas de €17 mil milhões
Todos, incluindo os jornalistas, ficaram espantados com a abrangência da greve e das manifestações. Coisa raramente vista, nas ruas de 250 cidades e vilas francesas marcharam lado a lado ferroviários e motoristas de autocarro, mas também advogados, médicos, enfermeiros, professores, estudantes, empregados de refinarias, docas e comércios.
MENOS REGIMES ESPECIAIS
Os manifestantes pediam a retirada do projeto de revisão do sistema de cálculo das pensões de reforma que o Governo de Édouard Philippe e Macron pretendem adotar. Em nome da necessidade de um sistema universal e do fim de 42 regimes especiais de reforma, desejam substituir o método atual de repartição solidária das pensões entre gerações pelo de “pontos”, calculados anualmente, com base nos descontos dos assalariados e nos défices das contas públicas e dos regimes da Segurança Social.
Estimulados pelo grande êxito do seu apelo, os sindicatos aceleraram o calendário dos protestos. Ontem, sexta-feira, centenas de assembleias-gerais de trabalhadores reunidas por todo o país reconduziram a greve, e as direções sindicais marcaram mais um “dia negro” de manifestações espalhadas pelo território nacional. Será terça-feira, dia 10, véspera de uma anunciada “comunicação ao país” do primeiro-ministro.
O Presidente terá ficado admirado com a mobilização de 800 mil a 1,5 milhões de pessoas
Visivelmente inquietos com as consequências da greve, o Presidente e o Governo começaram a ceder já na quinta-feira. Garantiram, designadamente, que os regimes especiais de reforma na polícia irão continuar em vigor e acenaram aos professores com promessas de acertos salariais e garantias sobre as suas futuras pensões.
MAIS TEMPO E NEGOCIAÇÃO
Mais do que isso, ontem à tarde Édouard Philippe, surgiu de forma inesperada nas televisões para anunciar que o Governo vai “dar tempo” à negociação com os parceiros sociais. O primeiro-ministro assegurou que a transição do sistema atual para o “regime universal” acontecerá de “forma gradual”. Parece claro que o poder pretende acalmar o conflito com a promessa de negociações mais longas e abertas do que as previstas. Mas Philippe não anunciou a retirada do projeto governamental, que é o que pedem grevistas e manifestantes.
O primeiro-ministro promete negociações mais longas e abertas sobre o novo sistema de pensões
Macron e Philippe receiam que os protestos alastrem na sociedade, no sentido que desejam muitos dos grevistas: a “conjugação das lutas e dos descontentamentos”. O primeiro-ministro confirmou que o Governo se reunirá, segunda-feira, com representantes sindicais para discutir o projeto da revisão do sistema das reformas e reafirmou a sua abertura ao diálogo e à “concertação”.
Na realidade, Macron e Philippe estão encostados à parede e sob forte pressão: hoje, sindicatos, desempregados e “coletes amarelos” vão manifestar-se de novo em Paris, e a greve não foi desconvocada.
Béatrice Cliq, dirigente da central sindical Force Ouvrière (Força Operária, moderada), declarou, depois de ouvir o primeiro-ministro: “O Governo começou a compreender a importância da mobilização, é bom, mas mantemos o apelo à greve e à retirada do projeto de revisão do sistema das reformas.”