O padrinho de Richard, morador numa das imensas favelas do Rio de Janeiro, disse numa frase aquilo que muitos cientistas políticos ou jornalistas foram incapazes de explicar em milhares de textos sobre a eleição de Jair Bolsonaro. Ele disse à jornalista Joana Gorjão Henriques que votou no presidente do Brasil que é amanhã empossado por ser “uma verdadeira incógnita”. A explicação que troca a certeza de um país corrompido e violento pela aventura incerta de um líder boçal, retrógrado e agressivo permite-nos situar o Brasil que aí vem. O país que emerge dos escombros de um sistema político falhado abomina o passado e está disposto a correr riscos pelo futuro. Em vésperas de tomar posse, Bolsonaro conta com uma taxa de aprovação de 75% dos brasileiros, a mais alta desde que Fernando Henrique Cardoso foi reeleito em 1997. Perante este estado de graça, todos os erros serão perdoados, todas as divisões internas serão toleradas, todas as ameaças desvalorizadas.
Na guerra cultural, Bolsonaro e a sua linha dura vão continuar a sua luta pelas palavras e vão resistir ao uso do poder político para hostilizar os índios que são “indigentes”, os negros que só fazem filhos, os homossexuais ou os milhões de pobres que tantas vezes não passam de peças subalternas do tecido social. A palavra do presidente será suficiente para estimular uma cultura de medo entre as minorias habituadas às amenidades de uma sociedade aberta e tolerante. Medo de ser, medo de fazer, medo de falar. Bolsonaro e os seus pares prometem uma profunda e brutal revolução conservadora. Os seus credos a favor das armas, do culto da violência como resposta à violência, a sua homofobia ou o seu racismo nem sempre velado tendem a criar uma legião de milicianos da nova moral dispostos a concretizar nas ruas a revolução que Bolsonaro apregoa desde o Planalto. O “renascimento político e espiritual” do Brasil que anuncia o ministro dos Assuntos Exteriores, Ernesto Araújo, vai por isso entrar em execução, mas este programa só terá consequências se Bolsonaro consolidar o seu poder.
É aqui que se encontram as maiores incógnitas. No Congresso, e em particular na Câmara dos Deputados, vai ser difícil Bolsonaro obter maiorias. O seu partido tem apenas 10% dos deputados (52 em 513) e a estratégia de agregar o “baixo clero” (deputados menos conhecidos e influentes) e os segmentos mais conservadores dos diferentes partidos pode dar resultados. Mas está tudo em aberto. A decisão de Bolsonaro de não trocar apoios por cargos de ministros, uma quebra crucial dos vícios do “fisiologismo” que está na origem da corrupção endémica do Brasil, torna difícil a obtenção de maiorias numa câmara fragmentada e desde sempre mais preocupada com o umbigo dos seus titulares do que com os compromissos da governabilidade. O facto de quase metade dos deputados serem de “primeira viagem” (estreantes) pode ajudar. Mas maiorias qualificadas como a que a premente reforma da Previdência precisa são uma miragem nos tempos próximos.
Do lado da Justiça federal (ao nível da verificação da constitucionalidade), as incertezas aumentam. Parece claro que as diferentes instâncias judiciais fizeram parte do movimento de transformação que acabou na eleição de Bolsonaro. O rosto desta transformação através do combate à corrupção dos políticos, Sérgio Moro, está no Governo e com poderes reforçados. Saber se a Justiça será tolerante a desvios de Bolsonaro por os considerar instrumentais num processo de “limpeza” do país, ou se será intransigente na defesa da Constituição é uma dúvida que só a realidade pode esclarecer. Saber se a Justiça terá mão dura com as suspeitas sobre eventuais actos de corrupção que pairam sobre cinco ministros ou sobre os filhos de Bolsonaro como teve com os desmandos do PT, ajudará a perceber o papel que os magistrados terão no futuro próximo. O caso do motorista de um dos filhos de Bolsonaro, apanhado com 1.2 milhões de reais de proveniência duvidosa, será um bom ponto de partida para se perceber o que aí vem.