Os ataques dos ‘coletes amarelos’ aos símbolos de luxo não abalam a celebração do estilo francês. Nas ruas de Paris ou na comemoração dos 110 anos da L’Oréal Professionnel, escreve a jornalista Catarina Nunes na crónica desta semana
Andar nas ruas do centro de Paris, por estes dias, é um exercício de análise sociológica. Os símbolos de luxo da cidade exibem os resquícios da passagem dos ‘coletes amarelos’, que não dão tréguas desde novembro de 2018, e a segurança faz-se de forma mais musculada. Nas mesmas localizações (Campos Elísios, rua Saint Honoré e Praça Vendôme), o chique parisiense mostra-se inabalado, pelo menos na Rive Droite, a margem do rio Sena mais tradicional e sofisticada.
Em brasseries, floristas, esplanadas e bares de hotéis — ou, simplesmente, nas ruas —, as francesas continuam firmes a defender o estatuto de referência de estilo. Na roupa e na beleza. Às caxemiras e aos lenços de seda, acrescentam o batom vermelho e os cabelos impecavelmente em desalinho. Ou alinhados com um chignon ou um corte carré, numa infinidade de louros, castanhos e cores mais ousadas (menos comuns na margem conservadora do Sena).
É com esta inspiração que a L’Oréal Professionnel celebra o ‘je ne sais quoi’ dos cabelos franceses e assinala os 110 anos de existência, iniciada quando o jovem engenheiro químico, Eugène Schueller, cria a primeira formulação para tingir cabelos, que vende aos cabeleireiros parisienses, dando origem ao maior grupo mundial de produtos de beleza e cosmética (L’Oréal). E é num dos símbolos de Paris, o Carrousel du Louvre, que a divisão de produtos profissionais do grupo L’Oréal celebra a arte da coloração de cabelos ‘à francesa’.
Nos bastidores acertam-se os últimos detalhes, pelas mãos de seis hair- artists (a denominação sofisticada dos populares cabeleireiros) que fazem as suas criações com os produtos L’Oréal Professionel. São a meia dúzia mais afamada do mundo, pelo talento e lista de clientes célebres. É o caso da francesa Odile Gilbert (penteou Kirsten Dunst no filme ‘Marie-Antoinette’ e participa em inúmeros editoriais e desfiles de moda) e do seu conterrâneo John Nollet (penteou Audrey Tautou no filme ‘Amélie’ e Monica Bellucci, Isabelle Adjani, Marion Cotillard e Juliette Binoche).
Vindos dos Estados Unidos apresentam-se Adir Abergel (Anne Hathaway, Gwyneth Paltrow, Amanda Seyfried e Sienna Miller) e Anh Co Tran (Jessica Alba. Coco Rocha, Alexa Chung e Jessica Chastain), aos quais se somam Godhands Joe e Khun Gong, este último a vedeta dos cabelos na Tailândia, país em ascensão nas colorações, que crescem também na Ásia em geral.
Pentes, escovas, alisadores, frisadores e laca dão os últimos retoques antes do início do espetáculo, que arranca com as boas vindas de Nathalie Roos, presidente da divisão de produtos profissionais da L’Oréal, e Marion Brunet, diretora-geral internacional da L’Oréal Professionel.
Estão feitas as honras da casa. O palco passa para a cantautora Juliette Armanet, ao piano e a entoar baladas nostálgicas, evocando o romantismo da música francesa. Fica criado o ambiente para a apresentação do ‘La French, Art of Hair Coloring’, a razão pela qual mais de 2 mil convidados (entre 1700 hair-stylists, convidados e celebridades) estão reunidos, numa noite de domingo, no Carrousel du Louvre.
Dividido em quatro momentos, que remetem para vários estilos parisienses, o desfile arranca ao som da icónica ‘Paris Paris’. A canção que, em 1994, pôs a correr mundo a música de Malcom McLaren, acompanhada por vozes de apoio africanas e o timbre de Catherine Deneuve a declamar partes da letra, que é um tributo à ‘Cidade das Luzes’. A propósito: a atriz francesa encontra-se na plateia, lado a lado com outras celebridades, como Virgine Ledoyen, Elle Von Unwerth e Alexa Chung (embaixadora da L’Oréal Professionnel), por exemplo.
Sucede-se um desfile que percorre os estilos das duas margens do rio Sena, a boémia Rive Gauche e a burguesa Rive Droite, com penteados entre o desconstruído rock-chique de Charlotte Gainsbourg e a sofisticação incarnada por Catherine Deneuve no filme ‘Belle de Jour’, abrangendo todos os comprimentos de cabelos e colorações de louro, castanho e ruivo, e ainda os arrojados cinzento, cor-de-laranja e azul-cobalto. A fechar o ‘La French, Art of Hair Coloring’, um regresso ao passado palaciano, com cabelos volumosos ou entrançados a fazerem lembrar as empoadas cabeleiras reais.
Nathalie Roos, presidente da divisão de produtos profissionais da L’Oréal Professionel, ostenta um orgulhoso cabelo entre o branco e vários tons de cinzento, cortado ao nível dos ombros. Não é obra da coloração de um dos hair-stylists presentes, mas antes o culminar de um processo que começa aos 18 anos. Assume, desde essa época, o branquear precoce do cabelo sem pensar em escondê-lo com uma das muitas tintas que ajuda a vender. Diz, com humor, que está à frente da moda dos cabelos cinzentos, a cor que – garante – é a tendência número um em coloração nos dois últimos anos.
Os cortes e os penteados apresentados no Carrousel du Louvre são a expressão final daquilo que está na base do negócio que representa a maioria das vendas dos produtos profissionais da L’Oréal: a coloração. De uma opção funcional para cobrir os cabelos brancos, o tingimento cresce como uma expressão de identidade, com a explosão e diversidade de cores, em formulações temporárias, semi-permanentes ou permanentes. A ideia é garantir também que nem as mais céticas em relação aos processos químicos (ou às cores mais conservadoras) ficam de fora.
A tendência atual dos cabelos pintados há muito que é a prática corrente em França, onde é bastante difícil detetar se a cor dos cabelos das mulheres é aquela com que nasceram, seja pelo tipo de coloração ou pela forma chique como o penteiam. A ideia é ter uma tal misturada de tons, o menos uniforme possível, que distinga o cabelo pela naturalidade. Esta especificidade (entre outras) da elegância francesa é o que a L’Oréal Profissionel pretende que faça sonhar as clientes dos 300 mil salões de cabeleireiro, nos 66 países onde está presente. Seja com a marca que dá o nome à divisão de produtos profissionais, como com a Redken e a Kérastase, que também fazem parte do grupo, com um total de 550 cores diferentes.
Nathalie Roos entrega o futuro aos 1,5 milhões de cabeleireiros que, no mundo, utilizam as marcas L’Oréal como ferramentas de trabalho e que dão a liderança mundial ao grupo francês, que apesar de ter nascido com a coloração em 1909, hoje é um conglomerado na beleza e na cosmética. Soma mais de 50 marcas, divididas em luxo (Lancôme e Yves Saint Laurent), grande consumo (L’Oréal Paris, Garnier e Maybelline), cosmética ativa (Vichy, La Roche Posay e Skinceuticals), além da divisão profissional. No segmento que dirige, Nathalie Ross defende que o desafio é a formação dos cabeleireiros e transformar os salões em locais onde o aconselhamento é o principal ativo à venda.
Curiosamente, a responsável da L’Oréal relega para segundo plano a inovação dos produtos, porque se para quem vai ao salão a experiência não valer a pena, os produtos, por muito bons que sejam, ficam nas prateleiras. Atire a primeira pedra quem nunca saiu do cabeleireiro furiosa com a cor de cabelo desajustada do que foi pedido e a jurar nunca mais lá voltar… É por isto que a celebração dos 110 anos da L’Oréal Profissionel culmina com workshops para profissionais, no Palais de Tokyo, em Paris, onde os hair-artists tanto aprendem a trabalhar com os novos produtos, como testam inovações digitais, como o Style My Hair, que permite simular numa imagem real 3D o resultado final de uma coloração.
Nathalie Roos não teme a crescente sofisticação e diversificação dos produtos para pintar o cabelo em casa. Garante que o aconselhamento de produtos e a aplicação de técnicas profissionais fazem a diferença no resultado final. Sem revelar números, avança que as vendas nos salões crescem 2% ao ano e estão mais dinâmicas do que o negócio das colorações caseiras, outra grande área onde o grupo francês está instalado com as marcas L’Oréal Paris e Garnier.
A merecida dignidade reconhecida aos cabeleireiros, com a crescente valorização do seu trabalho e o estatuto de estrelas, é a alavanca que faz crescer um mercado onde as mulheres procuram para si um cabelo com a diferenciação saída das mãos de hair-stylists convertidos em celebridades. Nathalie Roos diz que enquanto a esmagadora maioria das marcas busca influenciadores que possam servir como embaixadores, a L’Oréal Professionel já os tem em casa. São 1,5 milhões de cabeleireiros espalhados pelo mundo a venderem o imaginário de classe e elegância das mulheres francesas. Inabalado pelos ‘coletes amarelos’. É a história de dualidade da convivência do luxo com a resistência que, na verdade, faz sonhar com as referências francesas.